Hoje vamos receber uma das referências de tudo que se conhece como metal extremo no mundo. O primeiro a gravar um “blastbeat” na história do metal. Um cidadão que participou, lá no início de pelo menos 03 das bandas mais importantes do Brasil nos anos 80. E o camarada tá ativo até hoje. Ativo e produzindo muito.
Nessa entrevista – que, devido à sua extensão, importância e profundidade eu vou dividir em duas partes – eu não vou abordar um trabalho específico ou banda especifica, vou abordar a trajetória dessa lenda. Peço permissão pra apresentar mais do que as 06 perguntas padrão. Senhoras e senhores, Armando Leprous!
1 – Salve grande Armando Leprous!Seja bem-vindo às paginas da Lucifer Rex! A primeira pergunta é uma curiosidade pessoal: Por que você optou por manter o pseudônimo Leprous ao invés de Nuclear Soldier ou de seu nome completo Armando Sampaio, como usou na época do MUTILATOR?
Leprous: Salve Prophanator, salve Lucifer Rex, com relação ao pseudônimo, eu optei por usar o nome ‘Leprous” ,no TORMENTADOR e também no IMPURITY, porque tem mais a ver com o som, né? Apesar do TORMENTADOR se definir explicitamente como War Metal, ele também tem uma pegada de outras da área do Death Metal, alguma coisa assim.
Optei por Leprous, também, em função do HOLOCAUSTO ter findado, por algumas causas pessoais, e pelo fato do guitarrista ter continuado a banda com outro nome – HOLOCAUSTO WAR METAL – eu achei melhor não levar comigo o pseudônimo Nuclear Soldier, que iria remeter ao Holocausto e voltar às origens de Leprous também em função disso.
E também porque o som do IMPURITY tem bastante a ver com o som do SARCÓFAGO daquela época, então o Leprous tem tudo a ver com isso. O do MUTILATOR não foi utilizado porque Armando Sampaio era só um nome, sem pseudônimo, que foi uma opção que a gente fez no MUTILATOR entre eu e o Magoo. Então a gente chegou à conclusão que o melhor seria mesmo o Leprous, que tinha mais a ver com o momento, com a volta ao Black Metal assim, radical. A gente chegou à conclusão que Leprous seria o nome para resgatar as origens do baterista que gravou pela primeira vez a bateria metralhadora, blastbeats. Foi esse o motivo.
2 – Você não é mineiro, correto Armando? Até onde eu sei, você se mudou para Belo Horizonte ainda adolescente, mas já antes disso tinha contato com o Metal. Você é originário de onde? Antes do SARCÓFAGO já tocava em bandas?
Leprous: Bom eu sou natural de São Paulo, me mudei pra Minas, Belo Horizonte, com 14, 15 anos e, em São Paulo eu tinha, no bairro Brooklyn, uma banda que fazia cover de BLACK SABBATH. Já começava a tocar um coverzinho de VENOM, alguma coisa de SODOM, mas a essência era cover de BLACK SABBATH. E a gente fazia já uns shows no bairro, no clube Paineiras que era um clube que tinha lá no Brooklyn Paulista.
Eu morava ali perto da Avenida Berrini e a gente tocava nesse clube. Eu me lembro que a gente tocou algumas vezes lá, em festivais, tocando cover do BLACK SABBATH. Daí depois eu me mudei pra Belo Horizonte e aí que eu fui chamado pra integrar o SARCÓFAGO. E daí pra frente a carreira continua no Black Metal especificamente. Então foi assim a minha migração de São Paulo para Minas, Belo Horizonte.
3 – Existe muita confusão sobre o baterista original do SARCÓFAGO ser você ou o D.D. Crazy. Pelo que eu sei, o primeiro baterista foi o Dudu, sendo que você o substituiu ainda bem no início, tendo sido o primeiro baterista no mundo a gravar um blastbeat, na lendaria Warfare Noise. Você pode esclarecer de uma vez por todas essa história?
Leprous:Bom, quando eu cheguei em Belo Horizonte não conhecia muita gente aqui, né? Então eu algumas vezes estive na Cogumelo, porque eu gostava já de Black Sabbath, de Venom, de SODOM, um pouco de CELTIC FROST… Eu cheguei e tô procurando algum lugar que vendiam álbuns desse tipo de som e tal, e eu encontrei a Cogumelo.
E numa dessas idas na Cogumelo, tinha um barzinho perto de onde é que é o famoso Pizzalight, que se chamava Estricnina, e lá eu tava com uns colegas de bairro que eu já tinha feito e que me chamaram pra fazer uns sons. Eu gostava de rock e tal, e eu tava tocando uns covers do Deep Purple, do Iron Maiden, etc,.
Aí eu tava tocando nesse barzinho e parece que o Magela, que era o empresário do Sarcófago me via na Cogumelo, depois me via tocando..Até que um dia ele me chamou e falou: “mano, você não quer fazer um teste no Sarcófago, já que você gosta de black metal, a gente está precisando de um baterista parece que o nosso baterista vai para o interior…”.
Eu nunca tinha ouvido falar do Sarcófago, não tinha contato com esse pessoal mas eu falei :“vamos fazer um teste”. Então ele me passou uma demo, uma fita de ensaio, para eu tirar umas músicas… E aí inclusive, no dia do meu teste, o Dudu foi no ensaio do Sarcófago para ver o meu teste.
A gente começou a tocar algumas músicas do Sarcófago, eu já tocava black metal, os caras acharam legal que eu já sabia usar dois bumbos, já sabia fazer a levada de black metal e o Dudu inclusive tava lá, então ele já era do Sarcófago, mas não tinha gravado nenhum álbum ainda.
Ele já tinha gravado umas fitas de ensaio, uma coisa assim, mas aí ele teve que ir pro interior. Aí o próprio Dudu aprovou, todo mundo aprovou, e aí eu entrei no Sarcófago. A partir daí foram diversos shows, sendo que vários viraram álbuns bootleg, tipo o “Nights in the Hell 1”, “Nights in the Hell 2”…A respeito desses bootlegs, o som foi capturado de mesa de som, quando a gente tocava no interior de Minas, acho que Itaúna e outros shows que a gente tocava, dai captaram e os shows viraram álbuns.
Então a gente deu muitos shows… Já estava com o INRI praticamente pronto até. E foi aí que apareceu a oportunidade da Warfare Noise, e aí eu fui primeiro baterista que gravou em álbum, a bateria metranca, a famosa blast beast, com as músicas “Satanas” e “Black Vomit”.
Foram essas duas que foram gravados, mas a gente já tocava a Nightmare, The Third Slaughter e outras músicas do álbum INRI. Inclusive essas músicas já estavam na demo “Satanic Lust”.
Então foi assim que foi o meu contato e a aprovação pra eu entrar no Sarcófago que, na época, não era assim uma banda tão cultuada, né? Mas tinha um pessoal bacana, o Wagner foi muito legal comigo, o Zeder foi muito bacana comigo também, me deram muitas instruções, mais o que eu sabia e a gente conseguiu lapidar e chegar naquele som que ficou legal na Warfare Noise.
4 – Como eu disse na questão acima, você foi o primeiro baterista a gravar com o SARCÓFAGO, mais precisamente as faixas “The Black Vomit” e “Satanas”. Pelo que eu sei, quando você entrou na banda, “Satanas” já existia. Você participou da composição de “The Black Vomit”? Participou da composição de mais algum dos clássicos que compõe o INRI?
Leprous: Sim, você está certo. Eu fui o primeiro a gravar blastbeats, a bateria metranca, especificamente na música “The Black Vomit” onde eu participei e criei a música junto com o pessoal. Você pode ver que ela não é toda metranca, tem as partes que ela é batistaca, né? Então, a gente fez essa levada múltipla… Eu criei aquilo ali e nós criamos juntos uma música muito legal.
“Satanas” já existia e eu tocava ela através da demo tape. Inclusive no teste que eu fiz, um dos testes, foi tocar “Satanas”. Eu toquei tão rápido ou mais rápido que o Dudu, então o pessoal aprovou e os caras falaram: “Não, esse cara aguenta o pique aí, vamos aprovar ele”. Mas ela já existia.
Então, da “Warfare Noise”, eu participei mesmo da composição da “Black Vomit”. Mas eu participei das músicas do “INRI” também. No final, quando da gravação do “INRI”, a essência das músicas foi praticamente a mesma que eu tocava, com mais algum arranjo final que eles encontraram no estúdio. Mas elas já estavam 90% prontas, tocando em shows, antes de eu sair.
5 – Pouco depois, pelo que me consta por vontade própria, você saiu do SARCÓFAGO para integrar o HOLOCAUSTO. A informação que tenho é que você fez essa opção porque queria explorar mais o seu potencial como baterista. É verdade isso? Você acredita que o modo blastbeat do SARCÓFAGO, de alguma maneira, limitava sua evolução?
Leprous: Sim, eu saí do SARCÓFAGO por vontade própria, num momento em que qualquer pessoa que quisesse só entrar pro “Hall da fama”, sei lá, ficaria e pegaria uma carona nisso, não sairia porque estava próximo de gravar o “INRI”. No meu caso, tinha uma questão de me limitarem na criação, na parte de espaço de aprovação dos meus arranjos, no meio das criações das músicas, que realmente me incomodava.
Isso foi tomando uma proporção grande, porque chegava determinados momentos em que me diziam: “você vai fazer assim e assado e tem que continuar assim”. Então eu estava limitado a fazer o que era dito para fazer, digamos assim. Não tinha liberdade de “Pô, quero dar uma parada aqui, quero fazer uma virada aqui, quero fazer um efeito no prato aqui”…E não era aprovado de forma alguma, só fazer retilínio aqui, assim, pronto.
Então, isso foi me incomodando de uma forma tal que…Não é que a blastbeat do SARCÓFAGO limita ninguém, não me entenda mal, mas a forma retilínea do SARCÓFAGO de fazer as músicas, eu não tinha liberdade pra criar alguma coisa diferente. Não muito diferente, mas uma virada, uma parada de prato, um arranjo de dois bumbos…Tinha que ser uma coisa assim, muito peso e muito blast beat o tempo todo.
Então isso, pra mim, foi ao longo do tempo, foi ficando um peso em que eu me senti limitado dentro de não poder criar, não serem aceitas as minhas criações. Então foi assim que eu tive a decisão que eu precisava de novos áreas pra poder desenvolver meu trabalho.
6 – A propósito, como se deu esse convite para integrar o HOLOCAUSTO? Já existia uma perspectiva da volta do D.D. Crazy para o SARCÓFAGO? Haja vista as bandas serem muito amigas, inclusive dividindo ensaios e indumentarias nas famosas sessões de foto no Cemitério do Bonfim, gerou algum transtorno você ter mudado de banda?
Leprous: Na verdade não aconteceu um “convite”, digamos assim, do HOLOCAUSTO. A banda HOLOCAUSTO era a banda irmã do SARCÓFAGO, a gente tirava foto junto, ensaiava junto e tal, então eu conhecia mais ou menos o som do HOLOCAUSTO também. E o que aconteceu? Na época que isso foi se tornando o que eu respondi na questão anterior, essa limitação, esse corte das minhas criações, dentro das minhas músicas, um dia desabafando com o pessoal do HOLOCAUSTO, me perguntaram assim: “Como é que tá? Tá beleza? Tá tocando bem? Tá legal o negócio”?
E eu respondi assim: “cara, eu não tô conseguindo criar, não tenho liberdade” . “O que é isso? Por que não?”, “Porque o pessoal lá não deixa, tudo que eu vou criar as caras limitam e tal…” Dai o pessoal falou assim: “Ah,aqui nós estamos precisando de gente pra criar, nós estamos querendo dar uma turbina nas músicas do Holocausto, fazer uns arranjos e tal”…
Não tinha nenhuma perspectiva do Dudu voltar, e nesse momento eles acharam que eu tinha que ter continuado lá e ficaram meio chateados comigo porque eu tomei essa decisão. Qualquer pessoa que tivesse interessado em só pegar carona no sucesso de uma banda, ficaria no SARCÓFAGO…Porra, tava próximo de gravar o “INRI”! E pra mim isso não teve uma influência importante, a questão do nome SARCÓFAGO pra continuar nisso, pra ter mais respeitabilidade… Eu queria era desenvolver meu som.
Então, na época que foi próximo do INRI e fui para o Holocausto, eles ficaram extremamente chateados comigo, e até um pouco chateados com o Holocausto também, entendeu? Então eu acabei indo pra lá e realmente eu tive liberdade pra criar pra caramba. O total corte que eu tinha lá no SARCÓFAGO, eu tive total liberdade no HOLOCAUSTO.
A gente gravou o “Campo de Extermínio”, que contou com diversos arranjos sugeridos por mim, dentro é claro do conjunto né…É uma banda, um conjunto e todo grupo trabalhou junto. Enfim, todos trabalharam muito para criar aquilo ali, mas eu tive bastante influência nos arranjos que tinham no “Campo de Extermínio. Então foi esse o motivo.
7 – Com relação ao HOLOCAUSTO, você permaneceu por quanto tempo na banda, antes de ir para o MUTILATOR?? E o que motivou a sua saída? Tem algo a ver com a repercussão negativa, devido à temática da banda? Aliás, como foi essa repercussão? Te prejudicou de alguma maneira?
Leprous: Eu permaneci no HOLOCAUSTO por mais ou menos uns 4 anos, antes de ir para o MUTILATOR. Uns 3 ou 4 anos… E o que me motivou a sair é que, apesar de ter tido bastante oportunidade de dar minhas contribuições nas composições do HOLOCAUSTO, tinha uma questão que eu era muito amigo do Magoo. Nós fazíamos um som paralelo aos ensaios e os shows do Holocausto.
Quando a gente escuta o HOLOCAUSTO… As influências do HOLOCAUSTO eram muito AT WAR, S.O.D., DISCHARGE, um VOIVOD… na época era muito essa influência, né? E eu gostava também muito de TESTAMENT, gostava de ANTHRAX, gostava desse tipo de som.
E aí, em paralelo ao HOLOCAUSTO, eu fui tocando com o Magoo, fazendo som mais nessa pegada TESTAMENT e, em um determinado momento o Magoo chegou pra mim e falou: “ Vem aqui, os dois estão saindo, os irmãos Rodrigo, que é o baixista, e o Ricardo baterista estão saindo do MUTILATOR Vou precisar de um bom baterista aqui, e a gente vai fazer esse tipo, mudar o som do MUTILATOR pra gente fazer um som tipo nessa pegada do TESTAMENT, que é a nossa ideia aqui, de criar o próximo nessa linha.
E foi um convite interessante, não dava no momento, naquela época para levar os dois juntos, então acabei optando pelo MUTILATOR. Não tem nada ver com repercussão negativa da temática não, mesmo porque o HOLOCAUSTO nunca pregou sobre o nazismo, nunca defendeu esse tipo de ideia, sempre falou foi os horrores da guerra.
Mas teve sim, alguns problemas internos, que aliás foram os motivos que geraram a ruptura também quando a gente voltou com o “Diário de Guerra”, e que já mostravam sinais que atrapalhavam a vida pessoal das pessoas que compunham a banda. Então eu aproveitei a oportunidade e fui para o MUTILATOR, mas não teve nada a ver com repercussão negativa da temática, até porque o HOLOCAUSTO nunca pregou nada.
8 – E no MUTILATOR você gravou o álbum “Into the Strange”, que pra quem viveu a época, parecia que ia ser o novo SEPULTURA. Por que você acredita que isso não aconteceu??
Leprous: Sim, eu gravei e participei da criação dos arranjos do “Into The Strange”, junto com o CM, o Magoo e o Cleber e tive total liberdade pra isso. E parecia, sim, parecia que ia ser um “Boom” o “Into the Strange”, né. E quando a gente gravou foi fantástico, a gente sabia que tinha feito um produto de muita qualidade.
Só que o que acontece é que não dá pra um profissional ser onipresente, centralizar tudo com eficácia…Até pode ser quem tenham os profissionais que conseguem, mas são raros os que são completos em tudo, por exemplo, vamos dizer assim, no sentido de ter a parte musical, ter a parte também de captação de show, produção de show e fazer tudo ao mesmo tempo.
Então o que acontece? O MUTILATOR da época do “Into the Strange” foi uma excelente banda, técnica e criativamente falando, mas não tinha um bom processo gerencial. E quem resolveu fazer, na época, a produção e a parte de captar shows, essas coisas, foi o Magoo. E o Magoo, na medida possível, ele até fazia, mas ele não era um cara especialista nisso.
Então, o que aconteceu foi que o MUTILATOR dessa época acabou meio que uma banda de estúdio…O álbum era maravilhoso, mas a gente tocou umas duas ou três vezes posteriormente a gravação dele porque a gente tinha poucos contatos para fazer shows, entendeu? Então foi uma coisa assim, que ficou como se fosse um álbum de estúdio, sem ter muitos shows após o álbum em função de problemas de contato e fazer shows.
Em uma semana, no dia 25 de abril, a segunda parte da entrevista! Hail LEPROUS!