Thrash Metal parte 6

Crossover Thrash, como foi possível a convivência entre skinheads, punks e headbangers?

Dark Reflections

 

Ao mesmo tempo que o Thrash Metal ascendeu com o Metallica, Slayer, Anthrax e Megadeth, algumas bandas que faziam parte da cena hardcore, também viram no Metal uma forma de incrementar seu som e foi assim que surgiu o Crossover que, inversamente das bandas de Metal, usaram o Speed e o Thrash como referências para criarem uma sonoridade mais pesada, complexa, com solos e rifes mais abafados e uma mistura com o punk rock.

A cena dos anos 80 imprimia um comportamento muito similar entre os punks, headbangers e skinheads que, apesar de se odiarem mutuamente, eram muito mais odiados pela sociedade por estarem completamente fora dos padrões conservadores. Alguns membros do movimento punk dessa época declaram que muitos pais não queriam que seus filhos andassem com esses tipos de “gente”, ainda mais que eram brigões, beberrões, arruaceiros e se drogavam… tudo que parecia ser a escória. Além de toda essa contracultura subversiva, a música era repleta de ódio, ira ou sarcasmo, colocando em seus versos tudo aquilo que eles gostariam de expressar em plena transição.

A California era um estado que exalava juventude rebelde, certamente o estado norte-americano com maior concentração de punks/hardcore, skinheads e headbangers em atividade que entravam em conflitos constantes. Além de todo o comportamento, a California poderia propor esportes considerados radicais em que estes mesmos jovens estariam envolvidos e que a trilha sonora permeava a mescla de Hardcore, Punk Rock e Thrash Metal, a tempo, também o Crossover. Skate, Surf e Bike estiveram muito associados a estes movimentos de contracultura nos anos 1980. É certo que tudo isso fazia muito mais barulho naqueles tempos que hoje, que comprar uma camiseta de Metal/Punk no shopping center é comum, usar uma calça rasgada, tatuagem, adereços de metal e cabelo comprido, raspado ou moicano foram se incorporando aos tempos e sendo “naturalizados”, mas estar nos anos 80, até anos 90 com esse perfil era extremamente discriminado.

Antes do Crossover passar a se estabelecer, bandas como Bad Brains e Black Flag, já assimilavam a sonoridade do Heavy Metal em sua estrutura, o que serviu de espelho para diversas bandas que irão explorar esse gênero do Thrash Metal como: Suicidal Tendencies, Cryptic Slaughter, D.R.I., C.O.C., S.O.D. e M.O.D. e as brasileiras Ratos de Porão, Bandanos, Netos do Velho, Excomungados e Lobotomia. No início, a mistura trouxe uma grande dose de polêmica, que algumas vezes se transformou em violência vinda da ala mais radical do punk, que considerava a influência heavy uma traição ao Punk. Isso se espalhou pelo mundo a fora, principalmente no final da década de oitenta, mesmo com tantas bandas se unindo muito mais a cena Metal que Punk, os que poderíamos considerar como público ou integrantes do movimento, tinham sérias restrições as mudanças, principalmente por causa da incompatibilidade com o discurso que dá base ao movimento que é o Anarquismo, uma dura aversão ao Capitalismo, de outro lado, o Metal era um gênero em que o Capitalismo seria uma espécie de estruturação do seu “modus operandi”.

Ainda na primeira metade dos anos 80, bandas inglesas como Discharge, English Dogs e Broken Bones já estavam incorporando influências metálicas sobre uma base hardcore sob o rótulo de “metal punk”. Alguns consideram o EP “State Violence, State Control” do Discharge, de 1982, como o marco inicial do estilo. De fato, o Crossover vem junto com a Explosão do Thrash Metal em 1985, época que ficou conhecida como a Segunda Onda do Thrash Metal, assim como o termo Crossover foi popularizado por um álbum lançado pela banda D.R.I. (Dirty Rotten Imbecilis) em 1987.

É certo que o Misfitis, deve ter sido a primeira banda a experimentar a mescla de hardcore e Speed Metal e ter sido muito criticada por essa mistura, Glen Danzing dizia: “Fomos a primeira banda de hardcore a experimentar o speed metal e fomos muito criticados por isso. Nunca entendi por que essas duas coisas não estavam conectadas. Os dois gêneros falavam sobre poder, rebeldia e violência.”

Misfits era uma banda considerada estranha para o Punk e estranha para o Metal, porém muitos headbangers se identificavam com a estética sombria da banda e passaram a frequentar seus shows, quando as bandas de Thrash começaram a surgir, elas tinham muita relação com essa veia do Misfits que tinham a mesma referência do Venom e do Motorhead, aliás eram os deuses do Speed/Thrash só que eles ainda não sabiam. Deve ser incrível se tornar a maior referência para um gênero artístico, sem dúvidas!

“As bandas de Crossover surgiram durante o mandato conservador de Ronald Reagan. A maioria era formada por brancos da classe trabalhadora que tinham poucas esperanças de um futuro melhor. Outras tinham engajamento político, apesar de nem sempre serem bem-informadas. Poucas tinham formação em música e algumas eram formadas por arruaceiros e problemáticos com antecedentes criminais. Ironicamente, a banda citada com maior frequência como a maior influência daquela época era o Bad Brains, formada por quatro talentosos músicos negros dos guetos de Washington. O Bad Brains surgiu em meio ao Funk e R&B, e suas músicas, mesmo quando eles tocavam na potência máxima, aumentavam a velocidade e incorporavam dedilhados rápidos de guitarra, estavam cheias de mensagens de paz e amor.” (WIEDERHORN, 2015, p. 284).

Bad Brains foi a primeira banda a tocar mais rápido na cena, e certamente a principal banda a criar o estilo Hardcore. Originalmente formada com influências de funk e jazz fusion, a banda desenvolveu um punk rock muito mais rápido, intenso e musicalmente mais complexo e extremo que os seus contemporâneos. É considerada uma das primeiras bandas americanas de hardcore e, alguns anos depois foram os primeiros a fazer a fusão do heavy metal com o funk. Eles também são adeptos da música reggae, sendo seguidores da religião rastafári. Void e seu Split LP de 1982 com a banda The Faith são aclamados como um dos primeiros exemplos de Crossover hardcore/heavy metal e sua abordagem musical caótica é frequentemente citada como particularmente influente.

Especialmente no início, o Crossover Thrash tinha uma forte afinidade com o skate punk, mas gradualmente se tornou cada vez mais domínio do público do metal. A cena foi gestada em um clube de Berkeley chamado Ruthie’s, em 1984. O termo ” metalcore ” foi originalmente usado para se referir a esses grupos de crossover. Como Steven Blush disse: “Foi natural. A música mais intensa, depois de Black Flag e Dead Kennedys, foi Slayer e Metallica. Portanto, era para lá que todos estavam indo. Isso se transformou em uma guerra cultural, basicamente…” (Reed, Bryan C. “Corrosion of Conformity: An oral history of 30 years | Music Essay”. Indy Week. Archived from the original on October 4, 2013.)

Na costa leste dos Estados Unidos os mais fortes da nova linhagem do Metal eram o New Yorkers Agnostic Front e o Cro-Mags, bandas cujo estilo de vida contrastava muito com suas influências de hardcore straight edge, incluindo Minor Threat e Government Issue, de Washington, que não bebiam, não tomavam drogas nem faziam sexo (o famoso não bebe, não fuma e nem fode). O Cro-Mags e o Agnostic Front não tinham essas preocupações éticas. Eles não só consumiam drogas, como também vendiam (lembram de Mustane? Risos) e nunca fugiam de uma briga, claramente tudo conectado com a cena Thrash da época… unidos pela música.

É, justamente, em 1986 que o Cro-Mags lança seu primeiro álbum “The Age of Quarrel” (Profile Records), esse álbum foi considerado o abre alas do Crossover no mundo do Metal, algo quase que um dever de destruição e violência sonora, cheio das receitas básicas que o estilo destilou anos a fio: velocidade e peso. A crítica dizia coisas como: …praticamente todas as músicas deste álbum monumental são soqueiras na cabeça, uma bota na virilha, uma explosão de fúria contundente que não cessa por um segundo.

 A maneira como o Cro-Mags se formou é contestada pelos membros fundadores da banda. No livro de 2014 de Tony Rettman, NYHC: New York Hardcore 1980-1990, o guitarrista Parris Mayhew afirma que a banda foi formada depois que ele colocou uma série de cartazes por Nova York em busca de membros da banda, aos quais Flanagan respondeu. No mesmo livro, outras pessoas envolvidas na cena hardcore de Nova Iorque sugerem que a banda foi formada sob o nome de Mode of Ignorance, com uma formação original composta por Dave Hahn na bateria, Mayhew e Dave Stein na guitarra, John Joseph nos vocais principais e Flanagan no baixo. Durante sua existência inicial, a banda passou por frequentes mudanças de formação. Mayhew explica que isso acontecia porque “Harley via um garoto com a cabeça raspada e pensava ‘Esse garoto é difícil… vamos trazê-lo para a banda”. (toda banda tem um maluco, fato!)

Seu segundo álbum, “Best Wishes” 1989 (Profile Records) é o álbum que mais se aproxima do Metal e se afasta do punk, as mudanças de formação constante também influenciam a sonoridade do Cro-Mags, que mesmo com todas as mudanças não deixam de ser referência do estilo. Também podemos dizer que o duelo de egos entre Flanagan e Joseph, foi a pior experiencia que a banda poderia passar, eles de fato se odiavam e chegaram a trocar muitos insultos através da imprensa. Joseph reformulou o Cro-mags em 2003 sem o Flanagan o deixando furioso, cuspindo marimbondo como se diz, e olha que os dois são adeptos das religiões Zen, imagine se não fosse!

“O Crossover californiano pode não ter sido violento ao extremo quanto o da costa leste, mas as bandas mais urbanas evoluíram na era das gangues armadas, como o Crips e o Blood. Em Venice, California, o Suicidal Tendencies, pioneiro do Crossover, tornou-se referência para gangues de todo tipo que eram fãs de Metal. Apesar de os membros da banda declararem que não integravam nenhuma gangue, eles com certeza aparentavam e não desencorajavam a violência em seus shows. Contudo, o Suicidal Tendencies não significava apenas bandanas azuis, bonés de baisebol com a aba virada para cima e um convite para a instauração da desordem. Seu disco homônimo de 1983 (Frontier Records) é harmonioso, sarcástico, um clássico do hardcore, cujo single “Institucionalized” entrou para o filme cult Repo Man – O Resgate de Órgãos, de 1984. Naquele mesmo ano, eles turbinaram a credibilidade ao trazer para a banda o guitarrista shredder (destruidor) Rocky George, que nela permaneceu por onze anos e cujo estilo de rifes era frequentemente imitado. Visto como peça fundamental do Crossover de Los Angeles, o Suicidal Tendencies era vigiado de perto pela polícia e temido por outras bandas menos bem-armadas.” (WIEDERHORN, 2015, p. 292/93).

Não há como negar que o “Join the Army” 1987 (Caroline Records), é o disco mais marcante da carreira do Suicidal Tendencies, e o álbum que incorpora, definitivamente, a mescla entre hardcore e metal, é o genuíno disco de Crossover que tem como dever, marcar o território de uma banda extremamente envolvida na cena e com tanta aproximação do público. Os depoimentos sobre os shows do Suicidal Tendencies são aterradores. “Possessed by Skate” talvez seja uma música que ganhava o público szw4erzdda banda, já que ela tinha uma espécie de representatividade para o esporte radical das ruas, assim como a estética dos músicos do Suicidal Tendencies era imediatamente associada a esse estilo de rua, com a descrição que já trouxe acima. “Join the Army”, não foi um disco fácil de encontrar relançamentos, já escutei algumas reclamações sobre isso, mas de fato é o álbum mais emblemático da banda, apesar de crer que “Lights… Camera… Revolution” 1990 (Epic Records), seu quinto álbum, seja o mais famoso entre todos.

“Lights… Camera… Revolution” é um disco que muda os rumos da sonoridade do Suicidal Tendencies, abandonando aquela influência do Hardcore que se dilui e é incorporado elementos de funky slap-and-pop trazidos pelo novo baixista, experiente e talentoso Robert Trujillo, isso mesmo, o atual baixista do Metallica foi integrante por um bom tempo do Suicidal Tendencies ingressando na banda no seu terceiro álbum “How Will I Laugh Tomorrow When I Can’t Even Smile Today” 1988 (Epic Records). O quinto álbum da banda vai marcar uma nova era para eles, já que pouco tempo depois o estilo Thrash Metal, ao qual Suicidal Tendencies havia plenamente aderido, entraria em decadência, apesar da banda ser uma das poucas que conseguiram resistir na década de 1990, por pouco a banda não encerra sua jornada em 1995.

“The Art of Rebelion” 1992 (Epic Records) apesar de criticado pelos fãs do som mais rápido dos álbuns anteriores, este acabou por ser o álbum com maior sucesso comercial gravado pelo Suicidal Tendencies. Com toda a exposição na mídia, o Suicidal Tendencies foi ficando cada vez menos relevantes no meio underground, e quando uma tentativa de regresso a um som mais pesado foi colocada nas lojas, “Suicidal for Life” 1994 (Epic Records), repercutiu muito mal, e a banda percebeu que era hora de parar, acabando por se separar. Ou seja, a síndrome que afetou a maioria das bandas de Thrash Metal nos anos 90 havia chegado ao Suicidal Tendencies. Em 1997 a banda retornou e a gravadora lançou uma espécie de coletânea a contragosto da banda que voltou ao Crossover com ênfase no hardcore skate do início agradando em cheio aos fãs.

Fora do eixo Nova Iorque e Los Angeles vai surgir duas das principais bandas de Crossover dos Estados Unidos, foram Dirty Rotten Imbeciles (D.R.I.), formada em Houston, Texas, antes de se mudar para São Francisco, e o Corrosion of Conformity (C.O.C.), que era da Carolina do Norte e lançou três discos de Crossover selvagens “Eye for an Eye” 1984 (No Core Records), “Animosity” 1985 (Death Records) e “Blind” 1991 (Relativity Records), álbuns importantes antes da banda se transformar numa banda de Sludge Doom Metal influenciada pelas bandas do Sul. O fato de D.R.I. e C.O.C. serem de fora do eixo, a mentalidade deles era em torno do “faça você mesmo”, mas uma hora a conta começou a ser cobrada e eles se viram sem recursos para manter suas carreiras.

D.R.I. criou um selo próprio no início da banda e lançou um EP de sete polegadas (7”), a logo do selo foi desenvolvido por eles mesmos que faziam um curso de design, no curso houve uma atividade que era criar uma marca que soasse como placa de trânsito e eles criaram uma placa de anti-mosh com um boneco cortado ao meio de moicano, eles redesenharam a marca, tirando a faixa e o moicano dando significado ao Dirty Rotten Records. O EP se chamou “Dirty Rotten” 1983 e continha impressionantes 22 faixas.

“Dealing with It!” veio em 1985, seu primeiro álbum com aquela mística de velocidade e rifes cheios de ódio, uma voz cheia de juventude e muito, mas muito do hardcore californiano em seus acordes. Aquele álbum poderia ser chamado do estopim do Crossover, que em verdade só aconteceria no álbum seguinte, mas “Dealing with It!” (Death Records) tinha todos os requisitos especiais que uma banda de Crossover poderia ter, velocidade, mudanças abruptas, sombras do metal mais requintado e a explosão do hardcore.

“Crossover” 1987 (Death Records) sem sombra de dúvidas, vais ser não apenas seu disco mais famoso, como seu melhor álbum. Este é o tipo de disco que marca um estilo para rotulá-lo, como o Venom com álbum “Black Metal” e o Possessed com a música “Death Metal”. Este vem a ser um disco mais voltado para o Thrash Metal que os materiais anteriores da banda e talvez tenha sido esse o motivo do material receber tanta aclamação. A imprensa chamou o DRI de banda principal do movimento. Um convite audacioso para época que misturava punks, skinheads, e fãs de metal no mesmo show, era o caos, já que estes movimentos não se bicavam… este tipo de evento acontecia em galpões caindo aos pedaços na periferia, ou em centros comunitários, ginásios ou clubes de veteranos de guerra, sempre tinha alguém sangrando. Graças a este movimento, o álbum “Crossover” ajudou a expandir a popularidade do DRI em todo o mundo, incluindo turnês pela Europa e Austrália pela primeira vez, e abrindo para uma variedade de bandas como The Exploited e Anthrax.

Corrosion of Conformity também foi uma das bandas, junto com DRI que iniciaram uma forma de trabalhar independente que se espalhou pelo underground, e tenho visto isso com maior intensidade acontecer no final dos anos 90 e início dos anos 2000. Era uma prática do “Faça você mesmo”, em que as bandas gerenciam absolutamente tudo em suas carreiras, a princípio investindo dinheiro do próprio bolso e depois tentando fazer um “caixa” através da venda de ingressos de shows, camisetas que promovam os nomes das bandas e produzir e lançar seus próprios discos através de selos próprios. Essa era a época que tudo começou com troca de correspondências, demos tapes e a tal “networking” que vai criar uma rede de contato internacional que vai fortalecendo o movimento e dando visibilidade para essas bandas que não faziam parte do mainstream.

Meke Dean, baixista do COC dizia que eles escolheram esse nome porque achava a sociedade e a cena conformada, acomodada com a situação política, não apenas nos Estados Unidos, mas em grande parte do planeta (importante ressaltar, mais uma vez, que o mundo vivia a chamada bipolaridade, Guerra Fria entre EUA e URSS e foram períodos que marcaram o mundo ocidental e oriental sob uma bandeira ideológica Capitalista x Comunista e tudo girava em torno destes conflitos). COC era considerada uma banda que escrevia letras muito inteligentes e politizadas o que refletia diretamente no todo de sua expressão artística. Assim como as demais bandas pioneiras do gênero Crossover Thrash, COC trabalhava muito bem com essa vertente sonora e conseguiu influenciar uma geração inteira com seus álbuns e seus shows.

Só com o tempo que essas bandas assinaram com grandes gravadoras, claro que após repercutirem seus nomes e serem citadas pelas gigantes do Thrash como influência ou mesmo como expoentes de um gênero novo que estava numa linha muito tênue entre o punk e o metal. DRI e COC passaram por muitas dificuldades na estrada, muitas vezes passando fome ou tendo uns trocados para comer um sanduiche depois de um dia todo dirigindo uma van, certamente uma vida diferente de quem alcançou o estrelato e eles tiveram uma grande expertise em transitar muito bem entre ambos movimentos e conquistar um público ímpar.

Corrosion of Conformity lançou seus três primeiros álbuns muito conectados com o Crossover, mas tinha muitos problemas de formação o que acabou repercutindo em sua gravadora a Death Records que decidiu por sua demissão da marca. Levou alguns anos para que uma nova formação se juntasse. Com Weatherman, Keenan, Mullin, o vocalista Kark Aggel e o baixista Phil Swisher, eles lançaram “Blind”, em 1991, que mostrava algo bem mais Thrash Metal, o que acabou por atingir um grande público. O álbum definiu o abandono da fase hardcore e a entrada definitiva no metal. Em seguida ao sucesso, veio a demissão de Aggel que, junto com Swisher, formou o Leadfoot (banda ainda em atividade).

Outra banda que acabou ganhando o público punk e metal simultaneamente foi o Stormtroopers of Death (S.O.D.), banda que foi formada por Scott Ian (Anthrax), o baterista Charlie Benante e o vocalista Billy Milano (M.O.D.), lançou um disco que se tornou a lenda do Crossover “Speak English or Die” 1985 (Megaforce Records), “que era brutalmente rápido, mas cheio de rifes precisos e breakdowns arrebatadores. As letras politicamente incorretas e ludibriantes deram um toque a mais ao aspecto provocador do projeto.” (WIEDERHORN, 2015, p. 301).

Scott Ian: “O S.O.D., foi um experimento sociológico”, ele, Scott, dizia que costumava ler a Maximum Rock and Roll (Maximumrocknroll é um fanzine especializado em música punk, sem fins lucrativos e amplamente distribuído, fundado em 1982 na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos) e sempre via pessoas como Jello Biafra (Dead Kennedys) provocar a cena de Nova Iorque, chamado os “caras” de Fascistas. Scott decidiu que daria respostas através de suas músicas, ainda que houvesse ali um exagero ou narrativas que não faziam parte de suas realidades, ou seja, farpas trocadas apenas para ver qual seria a reação do outro. S.O.D. foi criada sem pretensões de ser uma banda “séria” e de fato, era só uma válvula de escape, uma “Brincadeira” que ganhou proporções descontroláveis e ter escrito músicas como “Speak English or Die” (fale inglês ou morra) e “Fuck de Middle East” (foda-se o Oriente Médio) trouxeram muitos problemas para a banda que, ainda que fosse tudo “Brincadeirinha” não pegou muito bem. O peso do S.O.D. no crossover parecia maior que as demais, já que a origem da banda era do Metal ao contrário da maioria das bandas que aderiram ao estilo que vinha da cena punk/hardcore e fazer as músicas do jeito que faziam, também foi mais um peso que elevou o nome da banda a um status que nem era tão desejado por eles.

A banda se dissolveu e o Billy Milano, que era roadie do Anthrax, fundou o M.O.D. que significa “Method of Destruction”, mas Billy às vezes se refere a ele como “Milano’s on Drugs” como uma piada. O álbum de estreia da banda, foi lançado em 1987 “U.S.A for M.O.D.” e produzido pelo colega de banda do S.O.D. e guitarrista do Antrhax, Scott Ian. A primeira faixa, “Aren’t You Hungry?”, uma reformulação de uma música não gravada do SOD, é notável pela letra “foda-se a caridade desses negros “, referindo-se ao então comum ativismo contra a fome, como ” We Are the World “. Mais tarde, a banda pediu desculpas (como se isso mudasse sua visão racista sobre as coisas!). Aliás, as piadas de ambas as bandas eram absolutamente sem graça e, provavelmente hoje seriam processados por Xenofobia e Racismo, no mínimo. Como esse também é um artigo de opinião, quero aqui deixar claro que trago estas bandas como referência de um estilo que foi criado há mais de 35 anos atrás, em que a construção cultural era completamente diferente, ademais, particularmente eu próprio nunca fui fã de nenhuma das bandas citadas, nem tenho nenhum de seus discos, tive muito contato com eles (os discos e histórias) a partir de minha pesquisa e procurei ser o mais imparcial possível ainda que discorde veementemente de suas posturas e sobre o que dizem, essas bandas, sobretudo as duas últimas aqui descritas, fazem parte importante da história do Crossover ainda que seja, sob minha ótica, uma história negativa e deplorável.

Outra banda californiana que se sobressaiu na cena Crossover foi a Cryptic Slaughter, formada por adolescentes que se conheceram na escola e jogavam futebol em 1984. O mais velho entre eles, Les Evans, tinha 17 anos e o mais novo, Scott Peterson, 14 anos. Cryptic Slaughter lançou sua demo em 1985, que teve uma boa repercussão na cena que, a essa altura, já consumia significativamente fitas cassete de bandas undergrounds e essa era a principal vitrine que as bandas tinham para “venderem seu peixe” e isso funcionava muito bem, pois havia uma grande movimentação de tape traders e isso fazia muita diferença.

Cryptic Slaughter lançou seu primeiro álbum já no ano seguinte o “Convicted”, 1986 (Metal Blade Records) que lhe rendeu uma venda acima de vinte e cinco mil cópias, colocando a banda, definitivamente, na cena do Crossover como um grande expoente e de relevância comparadas a D.R.I., Suicidal Tendencies, S.O.D., Cro-Mags e C.O.C. Cryptic Slaughter aproveitou o sucesso e já lançou no ano seguinte “Money Talks” (Metal Blade Records)que lhes renderam trinta e cinco mil cópias vendidas, lhes garantindo uma reputação de ser uma das bandas mais rápidas da cena Crossover da época. Algumas coisas são muito características para a época, é o fato de os discos soarem “descontraídos”, sem compromisso formal com as técnicas de gravação e ainda assim serem tão orgânicos e tão cativantes. Quando citamos números de vendas desses álbuns e fizermos dois tipos de comparações, saímos um pouco dos eixos, por exemplo, um astro pop poderia vender milhões de cópias de um disco lançado, talvez aquele astro pop menos promissor, mas com um bom trabalho de promoção em cima de uma música de trabalho chegasse a lhes render cem mil cópias vendidas de seus discos. Comparando a venda do Cryptic Slaughter com as bandas undergrounds de hoje, dá vontade de chorar com a discrepância, o abismo que separa uma banda underground dos anos 1980 com uma banda underground em pleno 2024 que para vender 500 cópias é uma luta.

A formação original gravou seu último álbum de estúdio, “Stream of Consciousness”, em 1988 (Death Records), insatisfeitos com o processo de gravação e produção do álbum, os problemas internos da banda foram ampliados pela vida na estrada. Eles se separaram no verão em turnê antes de Stream ser lançado eles fizeram seu último show em Detroit em 14 de julho de 1988.

Pouco depois de voltar para casa, porém, o guitarrista Les Evans e o baixista Rob Nicholson recrutaram o novo membro Eli Nelson e seguiram em uma nova direção. Esta nova encarnação durou pouco, entretanto, e Evans mudou-se para Portland em maio de 1989 para reformar a banda com uma formação totalmente nova. O último álbum do Cryptic Slaughter, “Speak Your Peace” 1990 (Metal Blade Records), foi um afastamento definitivo do material anterior, fortemente influenciado por uma cena musical em mudança.

“Speak Your Peace” foi a tampa do caixão da banda que perdeu as referências sob pressão de escolher um lado da moeda entre o Hardcore e o Thrash Metal, qual eles começaram a flertar com maior intensidade, principalmente pela técnica que não era tão peculiar ou importante para o Hardcore, toda essa confusão deixou a banda sem referência.

Outra banda norte americana que navegou pelos mares do Crossover foi o Carnivore que foi formado por volta de 1983 na cidade de Nova Iorque pelo vocal e baixo Peter Steele. A banda teve uma curta carreira, principalmente por ter flertado tanto com experiencias sonoras que os demais integrantes não gostariam de incorporar. Certamente que entonações mais fúnebres em sua música, já que eles tinham uma estética um pouco destoante das demais bandas do estilo naquela época. A banda frequentemente se vestia como guerreiros com roupas rasgadas e pontas presas em equipamentos de hóquei durante seus shows ao vivo neste período.

Eles começaram com uma demo em 1984 “Nuclear Warriors” e logo em 1985 é lançado o álbum “Carnivore” (Greenworld Records), que trazia um estilo totalmente incomum e muito mais voltado para o lado do Metal que para o Punk, Carnivore não fazia meio termo em seu primeiro álbum. Como um registro incomum para o estilo, assim como a identidade visual da banda que estava muito mais voltada para a fantasia que as comuns narrativas políticas, ainda que incorretas, das demais bandas de Crossover, a ideia deles tinha uma narrativa de um mundo pós-guerra Nuclear, um local inóspito, íngreme e de difícil sobrevivência, ou seja, um mundo distópico tão fácil de se ver no cinema e nos quadrinhos estava sendo experimentado pela música pesada do Carnivore.

A incursão da banda mais profundamente no Crossover, depois do primeiro álbum, fez com que Keith Alexander deixasse a banda sendo substituído por Marc Piovanetti. Em 1987, eles lançam seu segundo e último álbum, “Retaliation” (Roadruner Records), o álbum foi de fato um divisor de águas para a banda que vem reformular inclusive sua aparência estética, abandonando as roupas rasgadas e os tacos de hóquei adaptados. O álbum foi ainda mais furioso que o primeiro, o que certamente frustrou muitos fãs do Peter, sim senhores, Peter Steele foi o cara que criou a banda híbrida Type O Negative, conquistando uma legião de fãs do estilo gótico e muitos do Doom Metal, a título de curiosidade, é muito capaz que seus fãs tenham buscado conhecer o Carnivore e deram com cara na porta, já que em nada os sons se assemelham. Depois do lançamento do “Retaliation” a banda encerrou suas atividades, mas reunindo-se várias vezes para fazer shows em cima dos seus dois álbuns, também ensaiaram alguns retornos, a meu ver, irrelevantes, pois sua história morre junto com o “Retaliation” e o Peter Steele.

Por fim, outra banda emblemática, porém de curta carreira, assim como o Carnivore, foi o Wehrmacht que se formou em Portland, Oregon, em 1985, após lançar algumas demos eles lançaram um grande álbum no estilo o “Shark Attack” 1987 (New Renaissance Records), depois lançaram “Biērmächt” 1988 (New Renaissance Records) e a banda encerrou sua carreira. Alguns membros seguiram com algumas bandas, uma delas se chamava Macht (original, não?), mas não houve a mesma repercussão. Apesar do nome da banda, não havia nenhuma conexão com o nazismo.

Bom, fica assim mais um capítulo desta saga sobre o Thrash Metal que continuará, tentarei fazer uma lista, bem pretenciosa de bandas que eu considero do segundo e terceiro escalão do Thrash Metal, bandas que não ficaram muito conhecidas ou que posso dizer que foram injustiçadas pela cena, mas que conseguiram ter uma carreira interessante assim como ideias inovadoras dentro do Thrash Metal como o Thrash Progressivo e o Technical Thrash Metal. Como eu disse no decorrer desse artigo, não é muito da minha preferência para que eu consiga fazer uma lista de melhores, então farei uma lista de álbuns históricos do Crossover Thrash aos que se interessarem em procurar para conhecer a sonoridade ou mesmo os que desejarem reviver ou vasculhar seus arquivos.

Cro-Mags – “The Age of Quarrel” 1986 (Profile Records)

Suicidal Tendencies – “Suicidal Tendencies” 1983 (Frontier Records)

Suicidal Tendencies – “Join the Army” 1987 (Caroline Records)

Suicidal Tendencies – “Lights… Camera… Revolution” 1990 (Epic Records)

Corrosion of Conformity – “Animosity” 1985 (Death Records)

D.R.I. – “Crossover” 1987 (Death Records)

Cryptic Salughter – “Convicted” 1986 (Metal Blade Records)

Carnivore – “Carnivore” 1985 (Greenworld Records)

Wehrmacht – “Shark Attack” 1987 (New Renaissance

Referencias :

Wiederhorn, Jon. Barulho infernal: a história definitiva do heavy metal/ Jon Winderhorn & Katherine Turman; [tradução: Denise Chinem]. São Paulo Conrad Editora do Brasi, 2015

April 2010, Jon Wiederhorn 13. «Clash of the Titans Tour: Iron Giants». guitarworld (em inglês). Consultado em 29 de janeiro de 2024

Gilmore, Mikal; Gilmore, Mikal (11 de julho de 1991). «Heavy Metal Thunder: Slayer, Megadeth and Anthrax». Rolling Stone (em inglês). Consultado em 29 de janeiro de 2024

Gilmore, Mikal (28 de junho de 2012). Night Beat: A Shadow History of Rock & Roll (em inglês). [S.l.]: Pan Macmillan

www.metal-archives.com consultado em 29 de janeiro de 2024

Get Thrashed: a história do thrash metal (documentário) disponível em https://www.youtube.com/watch?v=JepHTgRiV7E consultado em 27 de janeiro de 2024