Thrash Metal parte 10

Brazilian Attack, andando sobre o penhasco vendado, cegos tateando por caminhos obscuros

Dark Reflections

Sempre acreditei que o Brasil fosse um país que sempre se sobressaia por causa de um certo “cooperativismo”, as coletâneas, os splits sempre me pareceram recursos de iniciativa de cooperação com o movimento, sobretudo o underground, se cercou bastante deste recurso e splits como o Warfare Noise 1986 lançado pela Cogumelo, Headthrashers Live lançado em 1987 pela Fuker Records, Warfare Noise II 1990 (Cogumelo Records) são materiais que nos apresentam essas bandas que estão batalhando pela cena e esse tipo de recurso eu não consegui perceber de maneira concisa na cena internacional, sobretudo a norte-americana, que as bandas lançavam compactos, singles ou EPs e álbuns, nem na europeia que tinha mais essa tradição parecida com a norte-americana.

Claro que devemos atrelar esse tipo de cooperativismo o fato de, economicamente, sermos um país com muitas dificuldades, ao mesmo tempo uma certa urgência em abrir o “mercado” fonográfico para o metal e também formar o público que potencialmente pode consumir aquelas bandas ali apresentadas. Tudo leva a crer que eram experimentos exitosos, quando percebemos que, boa parte daquelas bandas irão dar andamento a suas carreiras e aqueles formatos eram cartões de visita eficazes.

Foi através do Headthrashers, por exemplo que conheci bandas muito promissoras, apesar de ter conhecido o MX já em seu primeiro álbum “Simoniacal” 1988, aliás um dos discos de Thrash Metal que mais aprecio na história, mais do que muitos medalhões internacionais e o coloco pau a pau ao “Reign in Blood” 1986 (Def Jam Recordings), um dos discos mais avassaladores que já pude ouvir, evidentemente com os ouvidos, as emoções e as experiencias de um adolescente de 15 anos, “Simoniacal” foi um álbum que me desestruturou intensamente pois me propôs uma experiencia sonora muito intensa, principalmente com sua temática satânica e de horror misturadas. Falar sobre esses assuntos na música sempre foi muito sedutor para mim e esse tipo de abordagem me despertava muito interesse.

Headthrashers trazia quatro bandas debutantes: MX, Necromancia, Blasphemer e Cova, bandas que eram extremamente espontâneas e tinha uma selvageria e temática perversa, daquelas que seguiam a linha do próprio Slayer e, até então, estava muito claro para mim a tendencia das bandas brasileiras optarem por uma sonoridade próxima das bandas de Speed e Thrash Metal que sofriam a influência do Venom, a ponto destas bandas serem consideradas Death/Thrash e, volto a repetir, Death Metal aqui no Brasil era encarado como um estilo sombrio e abarcava todo tipo de subdivisão do Metal mais underground e, sobretudo, aqueles que seguiam uma veia mais “mística”, fantasiosa e que marcasse um território blasfêmico, anticristão e afins.

Assim como a maioria das bandas fizeram com o passar do tempo, essa veia de escrever sobre o sombrio vai ficando menos evidente e temas mais realistas vão aparecendo em suas músicas, a estética vai se diluindo junto com essas ideias e o pretenso amadurecimento destes músicos e da visão “mercadológica” dessas bandas também se expandem para espaços não tão obscuros e não tão rebeldes, agressivos quanto usar spikes, cruzes invertidas e corpses paints. O MX se encaixa nessa perspectiva, pois tem essa abordagem e na sua carreira essa poética vai sendo ressignificada, do mesmo modo que aconteceu com Sepultura, por exemplo. Entre as bandas que lançaram material no split Headthrashers Live, MX foi a mais bem sucedida, que teve um destaque na carreira que lançou imediatamente um álbum logo no ano seguinte. Necromancia teve uma carreira, mas só lançou seu primeiro álbum muitos anos depois e as demais bandas encerraram carreira sem lançar materiais individuais expressivos e, curiosamente os músicos do Cova e Blasphemer não fizeram carreira em outras bandas, foram raras as exceções levando em conta os registros sobre que encontrei nas pesquisas.

Então comecemos a abordar um pouco do histórico do MX e, como já devo ter dito, o álbum “Simoniacal” é um dos meus álbuns favoritos e o escutei saindo do forno, praticamente. MX me pareceu uma banda arrebatadora e, incrivelmente, soava de alguma maneira original para mim, aliás era o mais comum as descobertas de novas sonoridades dentro da cena metal desta época, visto que depois de tantas décadas as repetições nos parecem inevitáveis. O nome MX vem do míssil americano ICBM MX, conhecida inicialmente como LGM118, a banda recebeu o nome de Peacekeeper, Missile Experimental, daí o nome MX. Mais tarde, também ficaram conhecidas como Madre Xama, que significa ‘Mãe da Magia Negra’ em português. A carreira da banda pareceu breve, porém muito produtiva, lançando seu primeiro álbum aqui já mencionado e um segundo também muito bem recepcionado e não tão selvagem e destruidor quanto o primeiro. “Mental Slavery” 1990 (Fucker Records) foi um daqueles deleites ainda na época gloriosa dos vinis de metal e também é uma das minhas preciosidades do acervo pessoal e, como já disse reiteradas vezes, MX foi uma fenomenal banda brasileira de Thrash Metal em sua fase inicial.

Sim, fase inicial que entrou em um obscuro hiato durante alguns anos após o “Mental Slavery” ser lançado, se dissolveu e como uma espécie de hábito que se tornou dentro da cena Thrash Metal mundial, a banda se reuniu em 1997 e lançou um terceiro álbum chamado “Again…”, inclusive trazendo uma versão com faixas bônus do “Simoniacal” e “Mental Slavery” e as músicas do álbum também foram compostas na mesma época em que a banda esteve em atividade no final dos anos 1980. Em 1999 a banda gravou seu quarto álbum “Last File” 2000 (Hellion Records) e se desfez mais uma vez logo depois de seu lançamento, o que me parece uma inconsistência muito aguda na carreira de uma banda que se mostrou tão promissora e com lançamentos tão marcantes, tão bem alicerçados na escola norte-americana de Thrash Metal e tão espontâneo como se mostraram.

Com essas idas e vindas, MX se reúne mais uma vez em 2005, depois em 2012 e já lançaram mais dois álbuns: “Re-lapse” 2014 (Substancial Records) e “A Circus Called Brazil” 2018 (Independente), mas tudo demonstra terem sido álbuns que não alcançaram o mesmo êxito que os álbuns lançados no início da carreira e, talvez, não tenham tocado no imago do público com a mesma pressão que um disco como “Simoniacal” foi capaz.

Seguindo sobre as bandas que figuraram nos splits, uma outra que teve uma boa visibilidade, mas não necessariamente iniciou como uma banda de Thrash Metal, porém passou a ser, foi a Mutilator. Bom, eu busquei construir, a partir de minha própria percepção analítica sobre o Metal Extremo, uma visão sobre a sonoridade da banda e, definitivamente, Mutilator era o que eu enquadraria numa banda de Death Metal assim como me pareceu o Chakal, que em sua primeira fase tinha muito mais características que davam conta do Death que do Thrash propriamente e, como o passar do tempo, tanto Chakal quanto Mutilator foram transitando seu som para algo mais nítido em relação ao Thrash Metal, assim como tirando as referências que poderíamos associar ao estilo do Death Metal (que também era muito Black aqui para nós, principalmente se a abordagem fosse profana, blasfêmico ou satânica) e seu ar devastador e sombrio ficou muito bem elucidado no split4way “Warfare Noise”.

O Mutilator foi formado em 1985 em Belo Horizonte pelo vocalista/guitarrista Kleber, o guitarrista/letrista Alexander “Magoo”, o baixista Ricardo Neves e seu irmão Rodrigo na bateria, originalmente sob o nome de Desaster. A banda mudou seu nome para Mutilator após a adição do roadie do Sepultura Silvio SDN nos vocais. Esta formação gravou as demos “Bloodstorm” e “Grave Deseccration” e contribuiu com duas faixas (Believers of Hell e Nuclear Holocaust) para o split, em 1986. Em 1987 Silvio SDN deixou a banda, e a banda gravou seu primeiro álbum pela Cogumelo, “Immortal Force” com Kleber nos vocais.

“Immortal Force” contém todos os grandes requisitos de um álbum com requintes de crueldade típicos do Metal Extremo nacional daquela época e a aura mística deste disco, mesmo com toda precariedade da produção e a pouca experiencia dos músicos, assim como as dificuldades em gravar metal em plena década de oitenta por aqui, o álbum se torna um marco histórico e um disco atemporal, daqueles inesquecíveis registros que servem de referencia para todas as gerações que escutam metal e, consequentemente, um clássico. Porém, não é um clássico do Thrash Metal e sim do Death Metal, “Immortal Force” tem aquelas influências irrefutáveis do Speed Metal a lá Venom, mas a obscuridade sonora que esse álbum carrega, principalmente nas timbragens e na profundidade grave e dantesca que o material carrega o desclassifica das tradicionais guitarras agudas do Thrash e suas peculiares “magrezas”. O som que o Mutilator apresenta é robusto, encorpado, barulhento e satânico, ainda que o Thrash pudesse soar satânico, mas não com aquele tipo de música. O álbum, entretanto, teve pouco impacto internacional e levou apenas a lançamentos limitados, turnê nacional. Magoo, entretanto, tinha fé no potencial futuro do Mutilator e recusou uma oferta para substituir Jairo Tormentor no Sepultura (posição eventualmente assumida por Andreas Kisser), e seguiu apostando em sua banda.

A virada de chave da banda veio depois da repercussão da saída de alguns integrantes e mudanças de funções, como compositores, letristas etc. isso tudo culmina com um material agora sim, totalmente voltado ao Thrash Metal deixando a sonoridade muito mais polida e com características que pouco ou nada lembravam o Mutilator do “Immortal Force”. “Into the Strange” (Cogumelo Records), foi lançado em 1988 com formação diferente, após a saída dos irmãos Neves. Magoo assumiu os vocais, também escrevendo todas as letras e grande parte das músicas; o disco também contou com a chegada dos novos integrantes CM (nas guitarras) e do baterista Armando Sampaio (ex- Holocausto). Gravado e mixado em 16 faixas no JG Studios de Belo Horizonte, o álbum “teve a distinção de ser a produção nacional mais profissional do heavy metal brasileiro até então”.  No entanto, o álbum ficou bem aquém das expectativas comerciais e o Mutilator se separou logo após seu lançamento. Mais uma vez o fracasso era um ponto de definição de carreiras nos anos 80 e isso aconteceu com a maioria das bandas que não conheciam essa tal fórmula do sucesso, há quem diga, até eu mesmo, que para se ter sucesso é preciso ter autenticidade e não buscar o agrado de quem consome, mas o agrado de quem constrói, de quem cria, quem consome precisa perceber, absorver essa energia empregada por estes entes criadores e isso é uma navalha muito afiada que, se não souber atravessá-la será cortado ao meio… e isso é a marca do fracasso de muitos.

Assim como Chakal e Mutilator, outra banda que apresentou sua carreira no Metal através do split4way “Warfare Noise” foi o Holocausto, que também, assim como as outras supracitadas, não eram bandas de Thrash, mas se transformaram em. Holocausto seguiu essa trilha, foi e voltou, Holocausto em minha opinião, extraída a partir das datas, dos lançamentos e dos meus estudos, pode ser considerada a banda que criou o estilo War Metal que, por sua vez, seria uma subdivisão do Death Metal (Black) – existe uma falsa ideia de que o Blasphemy, banda canadense de Death/Black Metal, tenha sido responsável por criar o termo War Metal através do seu segundo álbum “God´s of War” 1993 (Osmose Productions), por mais fã que eu seja do Blasphemy não poderei concordar com isso, Holocausto sim, foi a banda que deu origem ao tão consagrado War Metal, tanto por sua participação no split, quanto por seu primeiro álbum “Campo de Extermínio” 1987 (Cogumelo Records), portanto com quase 10 anos de antecedência, se alguém influenciou alguém aqui, Holocausto saiu primeiro – tão reconhecido das bandas brasileiras da época e que poucas escaparam dessa tradição que se tornou tão cultural e cultuada, essas bandas foram responsáveis pelo surgimento de uma legião de bandas que fizeram sons semelhantes ou inspirados nelas, transformando, juntamente com a participação do Sarcófago, uma referencia para o estilo e para essas bandas que surgiram no rastro do Chakal, Mutilator, Sarcófago e Holocausto.

Holocausto – Blocked Minds 1988

O Holocausto foi formado em 1985 por Marco Antônio (baixo), Valério Exterminator (voz e guitarra) e Rodrigo dos Anjos (guitarra). Depois de gravar uma demo “Massacre”, em 1985 e participar da “Warfare Noise”, a banda causou polêmica com seu álbum “Campo de Extermínio” 1987, por sinal um álbum todo composto e cantado em português mantendo a tradição das bandas brasileiras da época de comporem suas músicas na língua natal. Enquanto bandas sul-americanas anteriores, como Sepultura, Vulcano e Sarcófago, insultavam a cultura messiânica com temas anticristão e o satânico, o Holocausto usou descrições vívidas das atrocidades nazistas nos campos de concentração, levando-os a acusações de antissemitismo. A banda afirmou que estava “apenas tentando expor os horrores do Holocausto em todos os seus detalhes horríveis” e “que as descrições chocantes e inabaláveis ​​do álbum pretendiam simplesmente mostrar sua própria repulsa aos eventos que inspiraram seu nome”.

Bandas que fizeram parte do split Warfare Noise I

Para aquém das polemicas, dá para perceber a expressão de importância que esse álbum vai ter para a cena, já que é um disco com uma sonoridade ímpar e composições idem. Foi um projeto arrojado, mas que deu alguma dor de cabeça para a banda a ponto de, em pouco mais de um ano seu segundo álbum ser muito diferente de “Campo de Extermínio”. Primeiro ocorre o terror das bandas de metal dessa época que era a instabilidade das formações e com o Holocausto não foi diferente, “Blocked Minds” 1988 (Cogumelo Records) é um disco bem diferente, já cantado em inglês, com temas mais corriqueiros e “comuns” ao metal e diria mais próximo do Thrash Metal canadense por exemplo. A sonoridade deste disco remete bastante ao Voivod, mas guarda suas principais características. Eu, em particular, não sou muito adepto do tipo de som que a banda mostrou neste seu segundo álbum e por isso foi um álbum que tive pouca, quase nenhuma, grande experiencia auditiva ou emocional com ele, mas ele flui como um álbum técnico apesar das, já citadas, limitações dos estúdios e produtores brasileiros.

Foi com “Blocked Minds” que o Holocausto ingressou na cena Thrash, mas assim como a maioria das bandas que fizeram isso, sofreram com as consequências de lançarem discos que passaram despercebidos e tiveram reconhecimento tardio na cena nacional, além do mais, esse álbum seguido dos demais, foram reflexo da falta de coesão criativa da banda e a busca por reconhecimento através de sonoridades que estavam em evidencia nessa época, primeiro sobre o Thrash Metal expressos em “Blocked Minds” 1988 e “Negatives” 1990 (Cogumelo Records) e o fiasco industrial “Tozago As Deismno” 1993 (Cogumelo Records) que foi capaz de enterrar a carreira da banda. Holocausto vai ressurgir nos anos 2000, tentando resgatar seu passado mais profundo chegou a lançar novos materiais com a perspectiva do War Metal de volta em sua identidade musical, visual etc. mas como carreira dentro do Thrash Metal, não há como dizer que eles foram exitosos… A banda finalizou sua trajetória e alguns ex-membros fundaram novas bandas como Tormentador e Holocausto War Metal.

Saindo um pouco da parte em que tentei focar nos lançamentos dos splits, e voltando para as bandas que cortaram esse matagal aqui com facões cegos, vamos ao Dorsal Atlântica que pode ser considerada uma das bandas de Metal brasileiras das mais antigas da história, inclusive foi responsável por influir bandas como Sepultura e Korzus no início de suas carreiras. Dorsal foi uma banda fundada no Rio de Janeiro em 1981, obviamente ainda não era uma banda de Thrash, o estilo nem existia ainda, propriamente dito nesse momento, mas o nome da banda ainda não era Dorsal Atlântica e sim Ness, e eles não tocavam Thrash Metal ainda e sim speed metal. Ness, em verdade foi uma banda formada para tocar na escola, e tocar covers de bandas de heavy metal como Black Sabbath, Kiss e Made in Brazil e foi a partir deste festival que Carlos Vandalo que tocou com a cara pintada imitando o Kiss, decidiram fazer com que a banda não fosse apenas uma reunião de amigos de escola.

O nome foi escolhido aleatoriamente, como se fosse um sorteio em um livro (da maneira Dadaísta de ser) e caiu no nome Dorsal Atlântica, adotado imediatamente por Carlos. Em 1984 a banda faz um mutirão, vendendo seus discos, um amplificador para bancar sua primeira gravação que seria o split com Metalmorphose “Ultimatum” 1985, lançado de maneira independente pelas bandas. O split saiu no primeiro dia do Rock In Rio com tiragem de 500 cópias e, certamente, um dos primeiro discos de Metal lançados no país na época em plena ditadura militar, já estava bem da decadência, mas era! O festival Rock in Rio naquela época colocou na vitrine o que ficou conhecido na época como “metaleiros” e isso, por cesso, beneficiou o Dorsal Atlantico fazendo com que ele ganhasse notoriedade e passasse a ser procurado por aquela geração de “metaleiros” fabricados pelos veículos da cultura de massa. Dorsal passou a figurar uma cena movimentada no Rio de Janeiro que tinha de um lado a rádio Fluminense FM e o Circo Voador onde eles se apresentavam com certa frequência, foram ratificando uma cena em potencial.

A essa altura parecia ser algo natural o som da banda ficar mais veloz, mas áspero e cada vez mais “radical” e aí começaram a entrar as influências do Thrash Metal e a banda assumir essas influências do Speed, do Hardcore e do Thrash Metal norte-americano em sua sonoridade, sem citar que a banda cantava em português nesse momento também e isso era um benefício para aquele momento, várias outras bandas seguiam essa característica como já disse acima.

Em 1986, finalmente, a banda conquista seu primeiro “troféu” que foi o lançamento do seu petardo “Antes do Fim” 1986 (Lunário Perpetuo Discos) que oficialmente vendeu três mil cópias, mas, segundo a indústria que rodou as cópias do álbum contabilizaram mais de dez mil discos vendidos, demonstrando o quanto a banda foi lesada e que o controle sobre isso era muito difícil. De qualquer sorte a carreira da banda foi ganhando muito corpo com o lançamento do primeiro álbum, apesar dos bastidores como a pressa em lançar, a produção precária, o pouco tempo de gravação e a capa censurada contribuíram de algum modo para a espontaneidade do material. “Antes do Fim” foi um disco que deu notoriedade nacional ao Dorsal Atlântica, além de fazê-la transitar nos principais centros do metal nacional da época que era São Paulo e Minas Gerais e de terem formado a cena Carioca. O ápice do Dorsal Atlântica nesse momento foi abrir o show do Venom e Exciter no Maracanãzinho em dezembro de 1986, grande feito para uma banda nacional que, mesmo com grande notoriedade na cena, tinha dificuldades de entrar na mídia fora do Rio de Janeiro, primeiro por sua sonoridade e segundo por suas letras que traziam uma ácida poética.

Em 1987, Dorsal Atlântica grava seu segundo álbum “Dividir e Conquistar” 1988 (Heavy Discos), que obteve um melhor planejamento, assim como uma melhor produção e já apresentava uma banda mais madura e que diz aos seus fãs que não vai aumentar a velocidade e sim vai investir em músicas com mais construção, com variações rítmicas, mas ainda Thrash Metal a moda brasileira. A cena brasileira já mostrava uma forte cisão entre os fãs de heavy tradicional e os fãs do metal extremo que englobava os seguimentos mais rápidos e pesados como o Thrash/ Death Metal e isso ficou muito evidenciado na cena Carioca que, inclusive dividia os espaços fisicamente para esses dois públicos em clubes como o Carioca II, considerado o templo do Metal na época.

Dividir e Conquistar

Definitivamente, depois do Dorsal Atlântica, o Rio de Janeiro também entrou no eixo de principais estados com fortes cenas de Metal e suas subdivisões. Entre 1988 e 1990 a cena underground nacional cresceu exponencialmente, ganhando novos contornos, ideias e ineditismos que diziam respeito a subdivisões muito fortes dentro do Death Metal como o Black, Grind, Noise, Splatter, Doom e mesmo o War inaugurado pelo Holocausto além da disseminação do Thrash Metal através da carreira bem sucedida do Sepultura que estava no seu auge, ocupavam um nicho bem grande da cena e essa divisão também vai ser tema do Dorsal em sua trajetória e isso está meio que descrito na música “Metal Desunido” do álbum “Dividir e Conquistar”:

“…Metal Desunido

Vocês não veem, estão criando seu próprio sistema/

Se enforcam com a própria corda sem perceber/

Cavaram o próprio túmulo, estão se enterrando nele/

Feito serviçais seguem o mestre dos fracos/

Mentem e se iludem, falsas convicções/

Absolutas certezas baseadas em nada/

Alicerces sustentados em areia/

Metal Desunido/

Vai se matar, vai se destruir…”

Em 1989, Dorsal Atlântica lança seu disco mais maduro, melhor elaborado de sua carreira e um dos discos mais difíceis de ser ouvido, por se tratar, como foi chamado, Opera Metal. Começando por uma temática espinhosa que era a injustiça social no Brasil e estarmos em pleno século XXI e ainda termos a mesma sensação que esse disco é atual. “Searching for the Light” 1989 (Heavy Discos) vai colocar o Dorsal Atlântica num patamar excepcional, ainda que seja uma banda que não alçou o voo do Sepultura, terá algum respeito no que faz e a admiração do grande público do Metal extremo nacional.

O novo álbum do Dorsal é um disco indigesto por abordar um tema tão complexo em se tratando de um país como o Brasil, país imerso em corrupções ativas, instituições clandestinas que detinham poderes infinitos como a máfia do jogo do bicho, principalmente no Rio de Janeiro isso era extremamente evidenciado naquele período, existia um plano sistemático de massacre as classes mais baixas com o assoreamento dos acessos a educação, saúde e lazer que, por sua vez era a exibição dos mesmos na apoteose do Carnaval protagonizando um espetáculo de entretenimento onde seu protagonismo era secundarizado e até ridicularizado, usando esse trunfo como massa de manobra para aumentar os impostos, decretar planos mirabolantes e impetrar medidas provisórias escorchantes… “as consequências de tantos desmandos em um possível futuro dominado por bicheiros, traficantes e uma elite insensível. O esporte favorito dessas futuras gerações era o surfe ferroviário. O carnaval servia para controlar o excesso de pobres, através de extermínio em massa, transmitido pela TV, diretamente da praça da Apoteose.”

Infelizmente “Searching for the Light” foi um fracasso de público ainda que um sucesso de crítica dos veículos especializados. Outro fator importante desse álbum foi a mudança das composições deixarem de ser em português e passarem a ser em inglês, isso vai colocar o Dorsal Atlântica apontado para o mercado internacional, não que cantar em português fosse uma grande barreira, mas era um dificultador importante. Ademais é sempre importante entender que o universalismo que a cultura metal propaga perpassa pela língua inglesa e era uma forma de encurtar estas fronteiras e dimensões físicas que possuíamos, precisamos sempre lembrar que a internet era algo ainda muito distante de nossas compreensões e do nosso cotidiano, as informações por aqui eram através das lojas especializadas, as revistas e as importações que fazíamos através de contatos via correspondência com pessoas, zines, bandas e tape traders, esse era o principal meio de conhecimento mútuo que tínhamos a nossa disposição e isso durou por muito tempo, diria que vai atravessar os anos 2000 desse jeito.

Dorsal Atlântica era uma banda em franca ascensão criativa, artística, mas era uma banda fragilizada pela falta de capital, falta de apoio e de uma gravadora potente que pudesse dar o alicerce ideal ao seu grande potencial. Isso foi minando as forças da banda, que também não tinha a estrutura necessária para fazer turnês, por exemplo, ainda que estivesse como preferência em tocar com bandas internacionais no Brasil, praticamente, Dorsal Atlântica abria grandes shows com alguma frequência, mas isso não fazia da banda um grupo autossustentável. Para a promoção deste álbum houve um planejamento para uma turnê internacional que acabou não acontecendo e isso desestimulou a continuidade do grupo, tendo seu baterista perdido por outros estilos musicais mais rentáveis e assistindo a cena brasileira tomar rumos estranhos, onde as bandas autorais começaram a perder espaço para bandas cover de outras bandas internacionais… pense na crise!

A banda continuou seus planos, integrou novo baterista e entrou em processo criativo novamente para compor “Musical Guide from Stellium” 1992 (Heavy Discos), álbum que merece um elogio por sua arte de capa de Gilberto Zavarezzi e arte gráfica de Otávio Aragão. Foi um álbum gravado em Minas Gerais com produção da própria banda e de Marcos Gauguin e lançado em CD (grande novidade da época) pelo selo mineiro Cogumelo Records. Esse álbum é um dos discos de melhor produção da carreira do Dorsal e traz também uma difícil escuta por suas quebras constantes de ritmo e entrega de novas formas de tocar o Thrash Metal furioso sem perder a essência que, aliás, era uma tônica das bandas a essa altura incorporando o groove e o industrial em sua métrica sonora, fator já largamente abordado aqui nos artigos. De fato, esse disco não é um disco que vai agradar ao fã mais tradicional do Thrash Metal porque o Dorsal se desvia do tradicionalismo incorporando tanto uma temática complexa e pouco explorada, como uma sonoridade mesclada entre o progressivo, o heavy metal mais tradicional e até o psicodélico dos anos 1970: “Dorsal investiu em temas esotéricos e musicalidade pesada-progressiva-psicodélica, dando mais um nó na cabeça dos desavisados. “Rock Is Dead”, “Hidden & Unexpected”, “Recycle Yourself” e a música “Thy Will Be Done” – com as centúrias de Nostradamus cantadas em francês, alemão, inglês e espanhol, são peso e delírio. A revista inglesa RAW! deu nota máxima ao Musical… “Eles têm o que ensinar ao primeiro mundo. A música para os anos 90”, escreveram. A capa do Musical… concorreu na revista Bizz como uma das melhores do ano.”

O Brasil, a essa altura dos anos 90, vai estar entre os países que mais consumiam metal no mundo, vai atrair as principais gravadoras internacionais para terem filiais por aqui, trazendo também a ilusão que essas gravadoras iriam investir na prata da casa… ledo engano, essas gravadoras estavam aqui para facilitar seus lançamentos nesse mercado em potencial e não para investirem na cena. Dorsal Atlântica foi uma dessas bandas que se esperava fosse fisgada por uma dessas grandes gravadoras internacionais e alavancasse sua carreira além mar, mas o que eles ganharam de fato foi apenas fama, já que sua atual gravadora naquele instante, a Cogumelo Records, era a maior gravadora do Brasil, com as principais bandas, mas que tinha recursos limitados assim como a divulgação, foi em meio a esse turbilhão de acontecimentos que Dorsal Atlântica lançou seu quinto álbum “Alea Jacta Est” 1994 (Cogumelo Records). Dorsal Atlântica lança um material difícil de assimilar, além de sua inteligência acima da média e de tratar sobre temas complexos como racismo em pleno anos noventa, para nós hoje tão atual, tão mais intenso, denso, presente, nos anos 80 e 90 exercitar a visão sobre o racismo, principalmente através do ponto de vista de pessoas brancas era um tanto quanto espantoso, e isso era o Dorsal Atlântica, uma banda a frente do seu tempo, de vanguarda mesmo que até hoje não foi inserida ao patamar que merece, não apenas por esta reflexão, mas por várias reflexões que já mencionei acima.

Ao escrever sobre o Dorsal Atlântica eu, imediatamente me reporto a um titã, que foram enviados ao mundo por Gaia a fim de proteger o mundo e trazer consciência, união dos povos e extirpar os conflitos, tudo isso gira em torno da poética artística do Dorsal Atlântica, são suas palavras através de suas músicas que me dizem, ou me apontam tal análise comparativa, pois eles, continuamente, tentam fazer com que haja união dentro do metal, apontam as zonas de conflito entre os seres humanos e sua crítica é sobre: como faremos isso acabar?

“Alea jacta Est”, do latim “A sorte foi lançada”, jargão muito usado no Direito e, aparentemente, a frase ficou famosa quando dita pelo General Romano Júlio César, quando decidiu atravessar o Rio Rubicão, península Itálica, que a época separava a Galia da Itália, por sua vez Júlio César haveria tomado o termo para si do escritor grego de comédias Menandro.

Esse álbum é mais uma ópera que conta a história de um Cristo Negro favelado nascido no Rio de Janeiro e, ao que tudo indica a crítica ficou presa a diversidade musical do disco, esperando um disco homogêneo, enquanto o Dorsal Atlântica fez do “Alea Jacta Est” um experimento de metal extremo cheio de referencias tradicionais, creia! Se não, vejamos: nesse momento, as bandas de Thrash, inclusive as brasileiras, iniciaram um processo de mudanças radicais em suas sonoridades que ficou conhecida como groove metal, industrial metal e outros penduricalhos semelhantes que desconfiguraram completamente a tradição do estilo musical como ele havia evoluído na década anterior. E sim “Alea Jacta Est” foi mais um disco em que o Dorsal deu um tapa na cara da cena e não foi bem compreendido, apesar desta minha análise, a banda teve um relativo sucesso com esse lançamento, pois tocou em grandes festivais e ampliou seu público pela América Latina se apresentando em muitos países e até protagonizando cenas inusitadas como Carlos Vandalo baixar as calças em um show e ser aplaudido por infinitos cinco minutos.

Em 1996, já sem Claudio Lopes na banda, Dorsal Atlântica seguiu para lançar seu sexto álbum e aquele que vai fechar um ciclo em sua carreira, o “Straight” (Cogumelo Records) e, diferente dos discos anteriores, esse houve um certo investimento. Primeiro o álbum foi gravado na Inglaterra, em outros ares, por sinal abaixo de zero, e revelou uma temática de um Carlos Vandalo abalado pelo fim de seu relacionamento, assim como sua transição de vida para o vegetarianismo e abstinência ao álcool, claro que a imprensa especializada estava mais preocupada em falar sobre a sonoridade do disco e não sobre a crise existencial pertinente em sua narrativa, mais uma vez enigmática e complexa que faz do Dorsal uma banda com filosofia social forte e muito bem embasada. A crítica estava preocupada em falar “mal” do disco por não fazer parte da moda da época aqui no Brasil que era o Metal Melódico e nem era um disco com sonoridade “atualizada”, ou seja, não soava grunge, ou groove, ou industrial, ou tribal ou porra nenhuma que estivesse na moda, por isso o disco “não prestava”. Não devemos esquecer que veículos de mídia podem formar opinião, como sempre, em qualquer nicho e falar mal de algo pode ter uma repercussão mais avassaladora que falar bem.

Por outro lado, “Straight” foi um disco que rendeu bons frutos ao Dorsal, quando eles abriram show do Cradle of Filth em Portugal e aqui no Brasil gravaram o programa da MTV Fúria Metal, dando muita visibilidade a banda, pipocando fãs clube pelo país e lhes rendendo um tributo que seria inédito a uma banda brasileira de metal ainda em atividade o “Omnisciens” 1996 (Rock Shop Records) contando com 13 bandas brasileiras de todo país: Headhunter D.C., Avalon, Restless,  Insanity, Decomposed God, The Endoparasites, Mystical Vision, Genocidio, The Outsiders, No Return, G.S. Truds, Tumulto e Jack Daniel’s Incorporation.

O ciclo iniciado pelo “Straight” também foi possível que o Dorsal gravasse um álbum ao vivo em Fortaleza/CE, assim como tocar no Monsters of Rock com Slayer e Megadeth, além de alimentar o sonho de produzir um documentário sobre a história da banda. Em verdade o que acabou sendo lançado foi a biografia “Guerrilha!”, com a história do Dorsal Atlântica misturada com a história do próprio metal brasileiro e isso não poderia soar diferente. O livro foi lançado pela editora Beat Press, o livro possui 137 páginas e tem a assinatura de Carlos Lopes como autor da biografia, o livro pode ser encontrado em site de buscas da internet e tem preço de material usado que gira em torno de duzentos reais. Também em 1999 é lançado o álbum ao vivo da banda sob o título “Terrorism Alive” (Varda Records), quando Carlos resolveu lançar por selo próprio diante de tantos problemas recorrentes com o selo Cogumelo, sua gravadora havia acabado de recusar lançar seu novo álbum justamente num momento tão criativo da banda, cheia de projetos concretos e com nome em evidência. Diante de tantas intercorrências e desgastes entre os integrantes, por volta de 2001 Dorsal Atlântica encerram suas atividades e Carlos passa a atuar em outras áreas também do underground escrevendo, fazendo locuções, produzindo programas de rádio e formando outras bandas como Mustang, banda que Carlos chamou de “rock-clássico-autoral” e Usina Le Blond que já existia desde 1998.

Mas, o bichinho do Metal é de uma contaminação incurável, em 2012 Carlos, diante de uma pressão dos fãs, tenta reativar o Dorsal com sua formação clássica e inicia um processo muito pouco explorado na época, hoje muito comum, conhecido como crowdfunding (pré-venda). Carlos idealizou fazer um pacote promocional reunindo o novo álbum, camiseta e o livro Guerrilha! Além de outros itens com uma meta de aproximadamente dez mil reais, conseguindo cerca de quarenta mil, mais de três vezes o esperado. “2012” lançado de maneira independente é de fato um recomeço onde a banda volta a compor em português e a essa altura a língua já não é algo tão essencial numa banda de metal, visto o acesso as letras e a facilidade de serem traduzidas, fato que nos anos 80 e 90 eram mais complexos esses acessos e mostra uma consistência sonora que os manteve vivos durante seus primeiros 20 anos de existência. Não bastasse esse retorno, em 2017, finalmente o documentário é lançado: Guerrilha! A Trajetória da Dorsal Atlântica, documentário realizado por Alexander Aguiar e Frederico Neto:

“Acho que o principal motivo pra escolha da Dorsal é o Carlos enquanto frontman, porque a história dele se confunde com a história da banda, e o que dá uma certa dramaticidade pra toda a coisa é justamente isso”, explica Alexander Aguiar, diretor, ao justificar a seleção do real protagonista de Guerrilha – A Trajetória da Dorsal Atlântica, documentário rodado ao lado do amigo Frederico Neto. “A história da Dorsal é, antes de tudo, a história da origem do Thrash Metal nacional”. https://judao.com.br/guerrilha-uma-celebracao-mais-maldita-das-bandas-do-metal-br/ consultado em 24/032024

Dorsal Atlântica ainda em 2014 lança mais um álbum por sua antiga gravadora a Heavy Discos do Rio de Janeiro, chamado “Imperium”, em 2017 lança o álbum “Canudos” fazendo uma referência histórica ao conflito de Canudos, uma autointitulada “ópera thrash” sobre a cidade de excluídos sociais erguida no interior da Bahia sob o comando do religioso Antonio Conselheiro, no século XIX. Em 2021, a banda lança o álbum conceitual “Pandemia”, também gravado graças a uma campanha de financiamento coletivo. Junto ao álbum, é lançado um minidocumentário sobre as sessões de gravações. Em 2023 morre o baixista Cláudio ‘Cro-Magnon’ Lopes, ele sofreu uma parada cardíaca na madrugada de sábado, 5 de agosto. Ele estava com 59 anos de idade. O que fica bem claro em todo o texto na parte em que abordo o Dorsal Atlântica é que sua história e sua carreira são únicas e que eles fizeram sua própria música, ainda que estivessem dentro de um universo metálico tão forte, tão poderoso, sua criatividade e poética eram únicas.

Como pudemos ver na carreira do Dorsal Atlântica que eles foram os pioneiros no Metal do Rio de Janeiro e inspiraram outras bandas, certamente o Taurus foi uma dessas bandas que seguiram os passos do Dorsal, no caso do Taurus a sombra do Speed Metal era um pouco mais acentuada que a selvageria do Thrash Metal praticada pelo Dorsal. Taurus iniciou sua carreira em 1985 centrada nos irmãos Sérgio e Claudio Bezz, que ainda em 85 lançam sua primeira demo contendo apenas duas músicas com a seguinte formação: Sérgio Bezz (bateria), Cláudio Bezz (Guitarra), Otávio Augusto (Vocal), Jean (Baixo) e Marcos Godoy (Guitarra) este último que, na segunda demo lançada em 1986, não faria mais parte do Taurus que seguiu como um quarteto.

Seu primeiro grande registro foi seu primeiro álbum lançado em 1986 pelo selo Point Rock sob o título emblemático: “Signo de Taurus”. Seu debut, todo cantado em português, seguindo a tradição da época, mas o Taurus não encontrou o melhor modo de estrear numa cena que já estava tomada por Sepultura, Dorsal Atlântica e o split “Warfare Noise” que era uma espécie de bíblia do Metal Extremo nacional dos anos oitenta. Sim, não era fácil estrear numa cena que, mundialmente via bandas de Thrash Metal pipocarem por todos os lados do planeta, principalmente no eixo principal do estilo que era os Estados Unidos e a Europa e, ainda por cima, cantando em português. Falar do Taurus depois de narrar toda trajetória do Dorsal Atlântica, ganha um propósito de fazer o público compreender que, para nós Taurus foi uma banda de história importante, mas que ela encontrou grandes obstáculos que dão conta de como era difícil se fazer metal nessas terras e como é difícil até hoje ganhar os devidos reconhecimentos.

Com relação ao primeiro álbum, foi um material que de maneira complicada, se encaixou no universo do Thrash Metal, talvez por ele estar muito mais referenciado musicalmente no universo do speed/heavy metal que propriamente Thrash e isso também é um fator que, aquele fã mais radical do estilo, “negaciona!” e, definitivamente, “Signo de Taurus” é um disco em que o Thrash Metal acena em algum lugar, e o Speed aparece bem na frente de todo aquele repertorio que nós brasileiros cantamos junto.

Em 1988, é lançado o segundo álbum e para não ficar para trás, Taurus muda suas composições para o inglês. “Trapped in Lies” (Point Rock), não apenas com relação as letras, mas as músicas do Taurus já não soavam tão agressivas como em seu primeiro álbum e isso foi alvo da crítica especializada. Se já era difícil ingressar num cenário cheio de obstáculos, garantir sucesso nessa cena era também uma missão árdua que faria o Taurus perder algum terreno com seu segundo álbum, apesar das letras em inglês. Outro fator determinante neste álbum foi a saída do vocalista Otávio Augusto, sendo substituído por Jaziel de Oliveira. A banda apostou ainda mais no speed/heavy metal deixando mais evidente suas preferencias e afastando a banda do que poderia ser largamente explorado àquela altura, diante de um disco lançado anteriormente que criava uma tendência que aprofundaria o som ao Thrash Metal e eles fizeram exatamente o inverso. A ousadia da banda mostrada neste disco diz muito sobre a competência dos músicos, que construíram músicas muito bem elaboradas, com arranjos muito interessantes e aumentando a qualidade sonora, porém muito diferente do que eles propuseram em seu debut álbum.

Mesmo com toda crítica ao “Trapped in Lies” que vai acentuar, ou melhor, evidenciar suas raízes heavy metal, é um disco que não deixa de ser Thrash, ainda que ele não seja um álbum com todo carisma e características pesadas do estilo. Todas essas impressões também recairão sobre o terceiro álbum “Pornography” 1990 (Heavy Metal Rock), que mantém a formação do álbum anterior e ratifica algumas qualidades do “Trapped…”, mas evolui de algum modo e, deixando a marca da história da banda como uma daquelas bandas pioneiras do cenário e tão competentes quanto, mas que não recebeu o devido reconhecimento e sim por alguns espaços da mídia ou algum saudosista dos anos oitenta para trazê-los como referência.

Taurus vai entrar num hiato a partir de 1995 e só vai retornar a cena por volta de 2010, lançando um novo álbum “Fissura” (Corredor 5), cantando novamente em português e dando seguimento a sua carreira lançando materiais como vídeos e singles. Em 2020, Taurus lançou seu quinto álbum sob o título “V” de forma independente e também em português.

Uma outra banda que eu incluiria no patamar do Taurus seria o Anthares, banda formada em São Paulo, em 1985 que vai praticar um Thrash Metal também muito próximo do Speed Metal e talvez um pouco diferente do Taurus, vai circular mais entre bandas do cenário como Korzus, MX, Sepultura e Dorsal Atlântica. Sua formação inicial contou com o baterista Evandro Júnior, o baixista Pardal, os guitarristas Cristian e Zé Aranha e pelo vocalista Henrique “Poço”, também com essa formação eles fizeram seu primeiro show no mesmo ano de formação.

O primeiro álbum veio em 1987, sob o título “No Limite da Força” (Devil Discos) também cantado em português e mantendo a tradição nacional. Neste disco Anthares apresenta todas as suas verdadeiras armas em um Thrash Metal realmente furioso e uma mescla de temas que vai do sentimental ao social com muita facilidade, inclusive fantasioso, a psiquê humana e conflitos sociais são abordados por eles. O disco contém excelentes composições e tornou Anthares uma banda memorável em sua curta carreira até aquele período dos anos oitenta.

Em 1989, o guitarrista Cristian deixou a banda para morar no Chile, terra natal. Cristian foi substituído por Toupeira, que anteriormente atuava no Korzus. Poucos meses depois, o vocalista Henrique “Poço” deixou a banda e o guitarrista Aranha foi substituído por Maurício em 1991. No final do ano encontraram em Renato um vocalista ideal. A banda começou a escrever novo material, que, diferentemente dos trabalhos anteriores, era em inglês. Um tempo depois de “resolver” as questões com a formação a Anthares seguiu lançando demos e chegou a lançar duas: “Demo 93 Tape” 1993 e “Retaliation” 1995. Em 1996 a banda se separou por motivos pessoais. Em 2004 a banda voltou a se reunir com nova formação, porém seu novo material só foi lançado em 2015, o álbum “O Caos da Razão” (Mutilation Records), porém tudo que há de melhor sobre eles está enclausurado no passado, lá no limite da força.

Como o texto ultrapassou um certo limite que eu estabeleci para cada parte, ficarei devendo a abordagem sobre o Megahertz e o Avalon, mas, creio, que já conseguirei iniciar a parte subsequente com essas bandas e outras que já não irei elencar para não correr o risco de não cumprir imediatamente na parte seguinte. Assim como, inicialmente, eu havia projetado uma quantidade de capítulos desta história, mas a realidade me mostrou que não há como fazer esse tipo de prospecção sobre tal temática tão profunda, com tantas nuances e com tanta coisa a ser dita, refletida, construída e desconstruída por um estilo que conseguiu mudar os rumos do Heavy Metal. A seguir a habitual lista de recomendações.

MX/Necromancia/Blasphemer/Cova – “Headthrashers” split 1987 (Fuker Records)

MX – “Simoniacal” 1988 (Fuker Records)

MX – “Mental Slavery” 1990 (Fucker Records)

Mutilator – “Into the Strange” 1988 (Cogumelo Records)

Holocausto – “Blocked Minds” 1988 (Cogumelo Records)

Holocausto – “Negatives” 1990 (Cogumelo Records)

Dorsal Atlântica/Metalmorphose “Ultimatum” 1985 (independente)

Dorsal Atlântica – “Antes do Fim” 1986 (Lunário Perpetuo Discos)

Dorsal Atlântica – “Dividir e Conquistar” 1988 (Heavy Discos)

Dorsal Atlântica – “Searching for the Light” 1989 (Heavy Discos)

Dorsal Atlântica – “Musical Guide from Stellium” 1992 (Heavy Discos)

Dorsal Atlântica – “Alea Jacta Est” 1994 (Cogumelo Records)

Taurus – “Signo de Taurus” 1986 (Point Rock)

Anthares – “No Limite da Força” 1987 (Devil Discos)