Thrash Metal parte 11

 Brazilian Attack: Gigantes da era glacial, extintos, porém nunca esquecidos

Dark Reflections

Depois de ter escrito sobre, praticamente, a biografia toda do Dorsal Atlântica que, sem sombra de dúvidas, foi a banda pioneira do Thrash Metal nacional, com alto grau de importância –  apesar de não ter sido a mais famosa –  eu retorno retomando mais algumas bandas importantes para a formação e continuidade da cena nacional do Thrash Metal, assim como tento recuperar aquelas que deveriam entrar no capítulo anterior.

Eu pensei mesmo em começar falando de Avalon Megahertz, mas acho que ainda preciso falar de outras bandas antes, como Witchhammer, por exemplo. Isso me faz crer que a história do Witchhammer é mais robusta que a das outras citadas, já que Avalon e Megahertz tiveram carreiras mais curtas e menos expressivas – porém não menos importantes.

Para dar uma fluidez ao texto, eu faço a escolha de percorrer caminhos mais densos e, nesse fato eu escolho, por critérios próprios, quais histórias considero importantes, a medida que faço meus estudos, consulto minhas memórias e também escuto algumas pessoas. Mas, no fim é só meu texto, com meu olhar e com os detalhes que me interessam tratar e os pontos que me interessam analisar. Mesmo exercitando a escuta, repensando trechos, corrigindo ou acrescentando dados, ou mesmo retirando-os, os artigos são para que possamos também refletir a partir deste ponto de vista, deste que vos escreve. Texto com dados, é verdade, mas também com uma visão particular que envolve percepção, experiencia e aí que aparece a tal da opinião –  e disso eu não posso abrir mão, me sinto na obrigação de me posicionar diante daquilo que trago para o enriquecimento de um debate sobre atuações dentro do que chamamos de cenário.

Warfare Noise II – 1988

As reflexões devem ser sobre mercado, discurso, postura, iniciativas, perfis socioculturais, sobre as diretrizes que foram construídas e constituídas das ideias sobre o que vem a ser o Thrash Metal, que está para além de um estilo com características elencáveis e reconhecíveis que podem ser descritas como: rifes com palhetadas em “tremolo”; vocais que variam do limpo, rasgado (drive), agudos, roucos, guturais e semi-guturais dependendo de cada banda individualmente; baixo marcado, constate e virtuoso que acompanha a bateria, inclusive em suas variações/viradas; solos virtuosos e letras que vão do mais puro e inocente cotidiano, passando pela política ou pelos temas mais sombrios como o horror, o satanismo e o sobrenatural… É sobre isso que trago aqui: um estilo musical de contracultura que desafiou o tempo, que passou por grandes crises, que fez bandas surgirem e findarem e que, aqui no Brasil, teve um espectro capaz de ensejar que muitas dessas bandas passassem a figurar algo maior que era uma cena internacional.

Ao passo que não há muito o que comparar a cena da Europa e EUA com a cena brasileira, há uma discrepância abissal entre uma e outra. Basta tomarmos ciência de que o Brasil é um país cheio de limitações de nível educacional, econômico e social. Este último dilacerante, que nos coloca com uma desigualdade perversa e, com isso, foi e é possível notar que, por aqui, quem começou tudo isso não foram os operários das periferias, como nos EUA por exemplo.

Por aqui eram aqueles caras brancos, com acesso ao que vinha de fora, com a possibilidade de receber encomendas e ter como pagá-las. Eram aqueles caras que podiam fazer viagens internacionais quando uma passagem de avião custava os olhos da cara, quando o metal espelhava uma estética branca (e ainda espelha) de consumo direcionado e que, por estes lado,s também ficou extremamente evidenciado.

Basta apenas analisarmos o desenvolvimento da sociedade brasileira para compreendermos em que locais estavam postos os abastados e os proletários, mas não foi isso que impediu que muitos, como eu, mais próximo do proletário que do abastado, pudesse se interessar por esse tipo de movimento e, ainda que minha aparência não se encaixasse nesse padrão do branco europeu, de cabelos compridos, havia algo mais determinante, que não estava visível e que é a minha inteligência, meu espírito, minha perspicácia e meu desejo de liberdade de escolha… Algo que está para além de determinismos, achismos, ou padrões pré-estabelecidos.

É com esse pensamento que construo meu texto, de romper com o que há de mais sórdido no ser humano que é celebrar, comemorar o fracasso alheio! É com os olhos da negação que eu me volto aos meus escritos, é com o olhar da crítica que tento construir novos olhares, ainda que, várias vezes, esses olhares não se modifiquem. Não, eu não quero transformar um artigo de análise e opinião num manifesto, nem tão pouco num ensaio filosófico, mas penso que o Metal Extremo nacional precisa ser sacodido, porque está em crise há muitos anos e basta ver, pesquisar um pouco e verificar os números: quantos álbuns, físicos, são vendidos hoje e quantos eram vendidos nos anos 90, por exemplo? Quantos espaços, adequados, para shows ou eventos nós temos no país hoje, depois de quatro décadas de história de Metal com bandas de grande repercussão internacional? Quantas gravadoras, de fato, aquelas que investem na produção de uma banda de ponta a ponta, nós temos no Brasil hoje? Especializada em Metal?

Sim, senhores, meus textos refletem e buscam fazer refletir sobre isso, é sobre esse tipo de pensamento que a série de Thrash Metal foi construída. Foi sobre questionar a falta de editoras, ligadas a cena, que não estejam preocupadas apenas em lançar traduções, mas que invistam em escritores nacionais, já que temos tantos escritores talentosos que acabam no ostracismo porque não são apoiados, não são visibilizados, seus textos caem no esquecimento e vejo isso acontecer com livros importantes como o “Guerrilha!” de Carlos “Vandalo” Lopes.

Outro fator que quero aqui deixar esclarecido quando, no capítulo anterior, mencionei os splits e as coletâneas lançadas aqui no Brasil, minha referência quando comparei com esse tipo de lançamento no exterior, tem uma relação rasa, eu não me aprofundei devidamente por crer que é algo muito claro. As intenções são diferentes, justamente porque as relações entre bandas, selos/gravadoras e mercado no Brasil são muito distantes das realidades norte-americanas e europeias, precisamos, mais uma vez, compreender que o Brasil é um país atípico e que as coisas aqui acontecem com uma adequação também atípica

Não há como comparar, em termos de investimentos, de poder de investimento em uma banda, sobre as expertises de gravar, produzir um disco de heavy metal, de promover esse disco, de ter canais de mídia a disposição para “popularizar” esses produtos e, a coisa mais concreta que houve aqui no Brasil foi, além de não possuirmos essa expertise e uma estrutura que pudesse proporcionar tudo isso, ainda vivíamos uma tensão ideológica que era absolutamente contrária a esse tipo de procedimento que levasse ao “comercialismo” do metal.

 

O underground brasileiro enveredou na ideia de que o underground deveria ser precário, sem “glamour”, sem holofote. Que metal extremo, principalmente, deveria ser marginal, viver nas sombras e que isso era até mais importante. Aparecer em grandes veículos da mídia, aqui no Brasil, era uma completa heresia, era trair o movimento, era se vender ao sistema capitalista e a essência era ser antissistema, mas ser antissistema era construir um sistema próprio com regras próprias ainda que tácitas!

O underground brasileiro também reforçou a ideia de que as bandas de metal extremos não deviam ter um som sofisticado, bem feito, teria de ser grotesco, rude, mal tocado e assim essa banda ocuparia o legítimo espaço reservado para os verdadeiros. Portanto, o crescimento de uma cena com visão expansionista, por aqui, passava ao largo do que as cenas do principal eixo internacional estavam fazendo e, contraditoriamente, aqui no Brasil essa cena internacional sempre foi ovacionada, supervalorizada enquanto que a cena aqui deveria cumprir um roteiro aquém do que estava acontecendo lá fora!

Vamos ao Witchhammer, que foi uma banda muito importante para a cena Thrash Metal mineira e, consequentemente, para a cena brasileira. Banda formada em 1986 na cidade de Belo Horizonte por Casito (vocal e baixo), Paulo Caetano (guitarra e vocal), Rogério Sena (guitarra solo) e Alfredo Malagoli (bateria) e, biograficamente, existe a ideia de que a banda surgiu para romper com o conservadorismo da época, que era do final da ditadura e de tempos difíceis da redemocratização do país e de uma política obtusa, obscura.

Assim como outras bandas de Belo Horizonte, Witchhammer chama atenção da gravadora Cogumelo, que os vai inserir no seu novo projeto “Warfare Noise II”, mas isso não imediatamente. Durante seu primeiro ano de formação a banda ensaiou, fez apresentações na cidade e ficou bem conhecida localmente. Lançou sua primeira demo em 1987 e isso era um tipo de material que servia de cartão de visitas para a maioria das bandas undergrounds, por muitas décadas.

O “Warfare Noise II” foi lançado em 1988, com a presença do Witchhammer e mais três bandas: Mayhem (mudou o nome para The Mist em 1989), Aamonhammer e Megathrash todas de Minas assim como no primeiro “Warfare Noise”.

Seu destaque no split, fez com que Witchhammer desse sequência em sua carreira no ano seguinte, lançando seu primeiro álbum pela gravadora Cogumelo sob o título “The First and the Last”, condicionando que muitas novas portas se abrissem para a banda e dando notoriedade, fazendo shows pelo Brasil e conquistando mais adeptos ao seu som. O som feito pelo Witchhammer, nesse primeiro álbum, não é tão veloz. É bem barulhento, é verdade, mas é um som em mid-tempo, cadenciado e com muita influência de metal tradicional e até mesmo blues, assim como é possível perceber influências de Venom e bandas europeias em seu som.

A banda seguiu sua jornada lançando seu segundo e melhor produzido álbum “Mirror, my Mirror” 1990 (Cogumelo Records). Neste disco a banda conseguiu ampliar seu leque de fãs e se tornou mais conhecida na cena, assim como conseguiu boas críticas ao material. No “Mirror…Witchhammer inovou, contando com a participação de uma cantora lírica.

Bom, isso não era novo, visto que Celtic Frost já havia contado com esse tipo de participação lírica antes em seu álbum “To Mega Therion” 1985 (Noise Records), de qualquer modo esse tipo de aparição não era comum, porém logo vai se tornar algo habitual é muitas bandas, inclusive bandas em que suas vocalistas são completamente líricas.

O Thrash Metal desenvolvido pelo Witchhammer ganha muito mais técnica, ainda que existam pautas muito importantes em sua sonoridade, captadas da cena europeia, eles conseguem se destacar na cena nacional com este disco, num momento de grandes transições na cena mundial a esta altura.

O terceiro álbum do Witchhammer, sem medo de errar, eu diria que é o disco mais genuinamente Thrash Metal da banda, onde eles conseguem um acento muito definido em sua timbragem e as mesclas com o Metal Tradicional ficam mais amenas, não tão presentes como nos álbuns anteriores. “Blood on the Rocks” 1992 (Cogumelo Records) foi um disco que conseguiu alavancar a carreira da banda, principalmente pelas características apresentadas pela banda neste registro. Neste álbum também, pela primeira vez, Witchhammer não contou com a participação de Paulo Caetano.  Arnaldo Jr., que havia sido o baixista na formação embrionária da banda, foi convidado para as gravações. É bem verdade que Witchhammer também tentou incorporar algo que já apresentava alguma evidência na cena daquela época que era o groove, e isso aparece ainda timidamente em sua música neste terceiro álbum.

Após três anos de lançamento de “Blood on the Rocks” a banda encerra suas atividades, e seus integrantes passam a se dedicar a outros projetos. Em 2001 eles reuniram a banda com a ausência de Leandro, entrando Igor “Vermelho” – que não durou muito – e depois a entrada de Rogério Sena. Em 2006 foi lançado o “Ode To Death” (Cogumelo Records), um disco bem estranho. Aliás eu sempre achei o som da banda meio estranho e, talvez, seja essa a “originalidade” que a maioria das bandas perseguem. A banda ainda segue em atividade, mas não lançaram nenhum álbum recentemente. Seu primeiro álbum foi relançado em homenagem aos 30 anos de lançamento.

A próxima banda que vou trazer é a carioca Metralion, banda que surgiu em 1986, bem quando o Dorsal Atlântica abria os caminhos para o Metal no Rio de Janeiro e pós Rock in Rio  e que apresentaria, para muitos, o Metal,  criando uma onda enorme de filhos do Rock in Rio.

Isso deve ter beneficiado bandas como  o Metralion, já que uma cena precisa ser movimentada. E lançar álbuns, ter espaços para apresentações, lojas de discos, imprensa especializada nas emissoras de rádio, fanzines etc. é o que faz a cena existir.

Metralion lançou sua primeira demo em 1987 sob o título “Tiranos” contendo quatro faixas e tendo em sua formação: J.P. (Baixo), Roberto Loureiro (Bateria), Alexandre (Guitarra), Rica (Vocais) e Fernão Carvalho (Guitarra). Rica (Ricardo Fonseca) era roadie da banda Azul Limão e teve a iniciativa de formar sua banda com músicos que já havia ou estavam em outras bandas da cena do Rio.

No ano seguinte a banda lança seu primeiro álbum pela Heavy Discos, a mesma gravadora que investiu no Dorsal Atlântica e vinha se tornando referência do Metal Carioca. “Quo Vadis” 1988 (Heavy Discos) traz uma banda com muitas influências de Hardcore e Rock’n’roll, mas apresenta uma excelente leitura do que seria o Thrash Metal àquela altura, principalmente sobre as bandas norte-americanas.

A produção do disco também não é das melhores, aliás a própria banda tem duras críticas a essa gravação. Primeiro por ter sido um curto tempo de estúdio, algo absolutamente comum, levando em conta que gravação, naquela época, além de ser praticamente artesanal era extremamente cara. Segundo pela inexperiência de gravar (em termos de pessoas capacitadas par captar esse tipo de som) metal no brasil e da precariedade do  equipamento. Principalmente na mixagem é possível notar algumas variações nos volumes dos instrumentos. Mesmo assim as qualidades da banda são excepcionais e faz deste disco uma grande referência do que seria o Thrash Metal feito no Brasil naquele momento e o Metralion consegue traduzir com muita competência esse espírito tão genuíno, principalmente na maneira de cantar que dava uma marca extremamente peculiar as bandas brasileiras.

Metralion lançou seu segundo material em 1989, sob o título “A Mosh in Brazil” (Rock Brigade Records). Eles ficaram muito bem avaliados e a gravadora de São Paulo oferece um contrato para eles e, inclusive, eles se mudam para São Paulo a fim de estarem mais próximos da gravadoras assim como conseguir shows e deixar seu som mais conhecido.

A Mosh…” é um material muito mais furioso que o álbum “Quo Vadis” e também já apresentava a banda cantando em inglês, fato que se tornou uma tendencia no país, após se dar conta que conquistar o cenário internacional poderia ser o melhor caminho para as bandas e, também, para que a cena nacional se tornasse mais visível. Bom a parte de cena mais visível é uma analise própria, não sei dizer se as bandas da época tinham essa preocupação, mas essa atitude sim, acabava tendo esse efeito. Diria que este EP teve muito mais apelo ao Thrash Metal que o primeiro álbum e deixou a banda em evidência, assim como fez com que ela tocasse em várias cidades do país divulgando esse material.

A banda conseguiu construir um bom nome em cima do seu EP, que já era mais bem produzido, mas ela entrou num processo de esfriamento, à medida que o mercado não se abria em outras praças, como era o desejo da banda. Metralion, na voz de Rica, se declara uma banda de estrada e não necessariamente uma banda de estúdio e a visão deles sobre o metal era sobre essa configuração.

A cultura da classe média brasileira deixava muito claro que os filhos, a partir de uma determinada idade já deveriam definir seu futuro através do trabalho, ganhar dinheiro e se sustentar era algo que o Metal no Brasil nunca existiu, a não ser por raríssimas exceções, e essas não incluíram o Metraliom, por tanto, sofrer a pressão dos pais sobre a definição do seu presente/futuro em uma profissão que não dá retorno, a pressão chega forte e foi isso que fez com que a banda se dissolvesse. Os integrantes do Metralion decidiram dar um “tempo” em sua carreira após a turnê de divulgação do “A Mosh…” e não voltaram das “férias”. Segundo Rica: não houve briga, nem desavença além da tomada de decisões que agregassem valores objetivos as suas vidas e, em 1990, a banda encerra atividade.

Contraditoriamente ao que eu disse no parágrafo acima, a banda não encerrou de fato, ficou em suspense, um hiato de uns 25 anos ou mais. Depois de muitas pessoas pressionarem os integrantes a retornarem e ao selo Dies Irae Records relançar o “Quo Vadis” junto com o “A Mosh...” em CD, eles se empolgaram e tentaram retornar com a banda e compuseram material novo, que foi lançado em 2021.

Requiem for a Society” foi todo gravado e elaborado na pandemia. Esse novo álbum recoloca o Metralion na cena, apesar de todas as dificuldades que ainda são recorrentes, desde a época dos anos 80, em que a banda estava a pleno vapor. O material mais recente da banda é o álbum “A Rest in Silence” 2023 (Dies Irae Records). Site da Dies Irae: “O METRALION continua pisando fundo após a retomada de atividades. Em THE REST IS SILENCE seus músicos reviram os esqueletos do passado para projetar o seu futuro. Com uma ambiência a la VOIVOD, sem esquecer as referências marcantes como CELTIC FROST, SLAYER e MOTORHEAD, o Thrash Metal da banda soa denso, pesado e apocalíptico.” https://diesirae.loja2.com.br/10192650-METRALION-The-Rest-is-Silence-CD- consultado em 30/03/2024

Mudando um pouco a rota natural do eixo Rio/São Paulo/Minas Gerais, vamos para o norte/nordeste do país, pois desses lados também tivemos muitas bandas de Metal importantes e determinantes para o cenário nacional como o Stress, banda de Belém/PA, que se tornou a primeira banda do Brasil e américa Latina a lançar um álbum de Metal na história em 1982. ,

Mas para o cenário Thrash Metal, do lado de cá do país, existe a banda Avalon de Teresina/PI. Criada em 1987 a banda declara sua influência na big four norte-americana: Metallica, Anthrax, Megadeth e Slayer e a NWOBHM em suas primeiras demos, que por sinal foi lançada no ano seguinte de formação da banda “demo I” 1988 contendo nove faixas. Em 1989, a banda lançou sua segunda demo “Stop the Fire” que serviram de base para o split com Megahertz (outra banda de Thrash Metal de Teresina que falarei a seguir) “Stop the Fire/Technodeath” 1989 (Cogumelo Records) e isso abriu portas para a banda no cenário nacional, pois, até então, tocar apenas em cidades do nordeste, limitava a ação da banda assim como deixá-la mais conhecida fora do eixo que já era predominante na segunda parcela dos anos oitenta.

Avalon, assim como outras bandas que fizeram parte do cast Cogumelo – então maior gravadora de Metal do Brasil –  tinha algumas ressalvas quanto a dedicação que o selo dava aos seus lançamentos e quais bandas a gravadora privilegiava, vai saber seus critérios! Mas o fato é que Avalon própria investia na divulgação do seu split com Megahertz e, depois de um tempo, achou por bem mudarem-se para São Paulo para ficar mais próximo de agentes, lojas e um eixo que poderia colocar a banda mais em evidência, visto que estavam num local que não os favorecia diante de um tempo em que tudo era muito mais precário.

A banda Avalon mudou-se para São Paulo depois de ter ido gravar seu split em minas, que também teve a produção de Gauguin (mesmo que produziu “Musical Guide from Stellium” do Dorsal Atlântica) e apoio moral dos integrantes do Witchhammer. Foi nesse mesmo ensejo que Avalon conseguiu disseminar seu nome e conquistar notoriedade na cena do eixo, mas precisou mudar sua formação. Mauricio Barros (baterista, também Megahertz) e Thyrso Neto (Guitarra) preferiram retornar a Teresina, ficando Ico Almendra (vocal e guitarra) e Willian Rodsam, que eram os integrantes originais da banda, dando lugar para Alex Nasser (Bateria) e Daniel Stilling (guitarra).

Avalon percebe que não teria futuro na Cogumelo, apesar de ter todo deslumbramento pela gravadora, por sua representatividade, eles gravaram uma demo para tentar angariar fundos e investir no seu primeiro álbum. “ouvimos falar dessa pequena gravadora do ABC Paulista, que estava lançando singles – o que também não era muito comum na época. Vimos isso como uma oportunidade de ganhar algum dinheiro com as vendas e investir em um novo álbum completo. Funcionou! Vendemos todas as cópias e no processo de divulgação e realização de shows para venda do single acabamos encontrando um novo selo: Encore Records.”  disse Ico em entrevista ao site Filthy Dogs of Metal https://www.filthydogsofmetal.com/interviews/interview-with-avalon consultado em 30/02/2024.

Todos esses fatos foram muito desgastantes para a banda, mas acabaram surtindo efeito, o single ”Time Waits For No One” 1992 (We Love Money Corporation Records) foi bem aceito pelo público, assim como a efetiva atuação do grupo na cena da época fez com que eles conseguissem produzir seu primeiro álbum e assinar com a gravadora/selo Encore Records.

Em 1993, Avalon lança, finalmente, seu primeiro álbum sob o título “Old Psychotic Eyes” já com uma identidade visual mais limpa (gostava da logo original com uma espada fincada na letra “o”) e uma musicalidade também mais atualizada, já com um baixo em destaque. A influência de outras tendencias do Thrash Metal internacional já havia chegado ao Avalon e o disco tem todas essas referencias do final da década de oitenta e início de noventa, mostrando um som para exportação. Aqueles que estão seguindo a série de artigos e as listas de sugestões, irão perceber que o Avalon é uma banda que, mesmo absorvendo novas tendencias, era uma banda muito competente e pratica um Thrash Metal muito bem-feito, com muitas raízes tradicionais e não escapou das suas origens apesar das novas ideias.

Esse momento me traz uma rara memória sobre o início dos anos 1990 no Brasil que passava por uma grande crise econômica, para além da crise política, várias denúncias de corrupção, pessoas do alto escalão sendo investigadas, julgadas…, mas a crise financeira era aviltante. A moeda vigente era o Cruzeiro Real, e essa moeda era extremamente desvalorizada, por exemplo um dólar equivalia, em 1993, a dois mil setecentos e cinquenta Cruzeiros Reais e, estávamos no governo de Itamar Franco um ex-militar que era Vice-presidente do caçado Collor de Melo que havia sofrido Impeachment.

Fernando Henrique Cardoso era o Ministro da Economia no governo de Itamar Franco e inicia um processo de plano econômico em que vai transitar a moeda, numa manobra com apoio do Banco Mundial através de uma Medida Provisória foi criada a Unidade Real de Valor (URV) que vai fazer o Cruzeiro Real ser extinto e algum tempo depois ser criado a nova moeda Real que, quando da criação equivalia ao Dólar, ou seja, um Real valia um Dólar, essa manobra marcou o fim do mandato de Itamar Franco e ratificou a gestão de Fernando Henrique que se candidata a presidente da república em 1994 e vence o pleito. Os anos 90 no Brasil, até 1993 era caótico, sofríamos com o arrocho salarial, as complicações com a moeda, ou pior, as moedas correntes, porque a redemocratização do país depois de 1985 causou uma inconsistência política e uma inconsistência econômic0a com abusos de poder, grandes corrupções e a degradação social, beirando a miséria e a fome da maioria da população.

Foi neste cenário que muitas bandas brasileiras acabaram ou sobreviveram, Avalon lançou seus primeiros álbuns em meio a este cenário sociopolítico brasileiro, típico de um país sul-americano explorado pelas forças do eixo EUA/Europa que criou e fortaleceu regimes ditatoriais que alienam a população e silencia a oposição.

Em 1994, Avalon lança “Incógnito” (Encore Records) um álbum mais lapidado, com boas composições e que os integrantes, até hoje, confiam ter sido o melhor material que eles já trabalharam. Neste cenário que descrevi, rapidamente no parágrafo anterior, foi que Ico resolve sair do país e tentar a vida nos EUA, deixando o Avalon quando Tunão assume os vocais, a banda continua em campanha de promoção de “Incógnito”, porém há um rareamento de shows, dificuldades na cena e existe a questão dos avanços da cena Grunge e das bandas de Nu Metal o que provocou o assoreamento das bandas de Thrash. Avalon declara as suas dificuldades em se expor nos meios e isso vai desestimulando a continuidade da banda que encerra atividades em 1996. Alessandro foi para o Panamá, o Daniel para a Dinamarca, o William voltou para Teresina e Ico, Texas.

Split Avalon/Megahertz 1989

Junto com Avalon, o Megahertz foi uma banda que surgiu em plena redemocratização nacional e o momento era de extremo êxtase da população e isso estimulava muito a juventude a exercitar sua “liberdade” criativa e os contatos com um estilo de música extremamente novo, inovador, pesado como ensejava o Metal, encantava aquela juventude com muito sangue no olho. Megahertz dividiu o split com Avalon, tendo sido indicada pela própria Avalon a Cogumelo para dividir esse split. Megahertz surgiu em 1985 e lançou sua primeira demo em 1986 sob o título “Adrenalina Total” contendo cinco faixas e a seguinte formação: Kasbafy (Guitarra), William Rodsam (Baixo), Cláudio Hammer (Baterista), Eriswitch (Guitarra), Conan (Vocal). No ano seguinte a banda muda de baterista e grava sua segunda demo, dessa vez contendo onze faixas, no ano seguinte como um quarteto lança a terceira demo “Assassino” 1987. Em 1989 é lançada a demo que vai servir como base para o split, “Technodeath” contendo sete faixas no total em dois lados da tape, no mesmo ano eles lançam o split com Avalon via Cogumelo Records, mas, infelizmente, Megahertz não tem a mesma continuidade de carreira que o Avalon tem e foi entrando no anonimato, ainda que continuasse lançando demos e ep até 1995.

Megahertz retorna a aparecer na cena em 2002, lançando seu primeiro álbum “Pyramidal Power” (independente), a essa altura a Megahertz incorpora novas influências e seu som aparenta ser mais “moderno”, de qualquer modo, a banda ainda preserva algumas características do tradicionalismo do Thrash Metal e se recoloca na cena, aliás, os anos dois mil foram anos muito propícios para o estilo, pois passou a encarar uma realidade em que o Thrash Metal reaparece resgatando os valores que foram fortalecidos na década de oitenta. Aproximadamente vinte anos depois a banda lança seu segundo álbum “Burning Like Hell” 2022 (Mog Records/ Orange Prod.) com capa de Rafael Tavares e Romano Rocha que me faz lembrar, imediatamente, o estilo de Ed Repka (Nuclear Assault, Possessed, Evildead, Megadeth) com produção do guitarrista Mike Soares.

Atualmente a banda é formada por Nixxon (vocal), Kasbafy (guitarra), Mike Soares (guitarra), Marcelo Briba (baixo) e Iado Dayvison (bateria), seu álbum mais recente tem bons recortes que nos fazem lembrar do Exodus, Testament e até mesmo o Hirax fazendo do álbum um material muito bem elaborado e integrado ao Thrash Metal mais tradicional, se mantendo em atividade.

No split “Warfare Noise II”, entre as bandas, existia a banda Mayhem de Minas Gerais que se dissolveu tempo depois e, em 1988, alguns dos seus integrantes Cristiano “Balão” Salles (bateria), Reinaldo Bredam (Guitarra) e Roberto Lima (Guitarra) formou a grande The Mist unindo forças com o vocalista Vladimir Korg (ex-Chakal) e no ano seguinte sua estreia é marcada pelo lançamento de um álbum excepcional da cena Thrash Metal brasileira o “Phantasmagoria” 1989 (Cogumelo Records), mostrando uma banda de extrema categoria, com letras impressionantes assinadas por Korg. A qualidade sonora do The Mist estava aquém de uma sonoridade que era pesada e violenta como a maioria das bandas da época, eles praticavam um Thrash polido, classudo e cheio de sutilezas principalmente nas suas letras.

The Mist passa por uma perda em sua formação com o falecimento do guitarrista Reinaldo Bredam em 1991 e a saída de Roberto Lima, dão lugar ao Jairo Guedez (ex-Sepultura). Neste ano, 1991, The Mist grava sua obra prima “The Hangman Tree” (Cogumelo Records), um dos álbuns mais bem avaliados da história do Thrash Metal nacional, diria que ele é um clássico absoluto do estilo e se fosse um álbum lançado no eixo internacional do Thrash Metal seria um dos principais álbuns da história do estilo. “The Hangman Tree” é um álbum muito bem elaborado, com composições muito inspiradas, execução de excelência e um período em que Korg passava por um profundo processo de depressão, que o inspirou a escrever as letras do álbum que são muito conceituais num todo. O LP vinha com as letras em inglês e português, uma capa maravilhosa feita por, a essa altura, renomado Kelson Frost e dá pra perceber o investimento e o esmero que a Cogumelo teve nesse lançamento de capa dupla.

Infelizmente, depois de ter lançado dois álbuns excepcionais, surpreendentemente The Mist começou a experimentar novas incursões sonoras tão vigentes na época, ainda que não fosse com a mesma intensidade de outras bandas da época como Overdose ou Sepultura, mas o EP “…Ashes to Ashes, Dust to Dust…” 1993 (Cogumelo Records) é um desses experimentos fatídicos e que colocam a banda num outro rumo sonoro, pessoalmente, me desagradou e já não acompanhei a carreira da banda a partir deste material. Aliás, “…Ashes to Ashes, Dust to Dust…” já não tinha a presença do vocal/letrista Korg e o The Mist se configurou como um trio e Marcelo Diaz assumindo o vocal além do baixo. Como trio a banda fez shows de divulgação do novo material.

Em 1995, The Mist lança seu terceiro álbum estreitando a linha sonora que iniciou no EP. “Gottverlassen” 1995 (Cogumelo Records) já não contava mais com Marcelo que seguiu sua carreira no Soufly, e acabou entrando o Cassiano Gobbet. “Gottverlassen” é um álbum muito difícil de se ouvir, principalmente tendo como referência dois grandes álbuns como os primeiros da banda, tornando a carreira do The Mist também indigesta e, aparentemente, sem “futuro” na cena Thrash Metal da época que já não era lá essas coisas. A banda encerrou atividades e retornou por volta de 2018 com Vladimir Korg, Cristiano Salles e Jairo Guedez, mas essa formação não grava o EP “The Circle of the Crow” que o Korg declara ser uma resposta ao “The Hangman Tree” uma ideia que remonta ao passado da banda, assim como o som traz muitas referencias do The Mist original recolocando a banda na cena nacional e com uma sonoridade que a identifica mesmo com todos os recursos da atualidade, a sonoridade, o equipamento a essência está lá registrada.

Depois desta saga neste capítulo da série, encerro aqui mais esta essencial visita a história do Thrash Metal e criando expectativa para as próximas partes e, desta vez, sem citar nomes para não correr riscos de imprevistos. Como de costume fica aqui a minha lista de indicações sobre o que há de mais importante neste capítulo da série.

Lista de recomendações:

Witchhammer/Mayhem/Aamonhammer/Megathrash ‪“Warfare Noise II” 1988 (Cogumelo Records)

Witchhammer – “The First and the Last” 1989 (Cogumelo Records)

Witchhammer – “Mirror, my Mirror” 1990 (Cogumelo Records)

Witchhammer – Blood on the Rocks” 1992 (Cogumelo Records)

Metralion – “Quo Vadis” 1988 (Heavy Discos)

Metralion – “A Mosh in Brazil” 1989 (Rock Brigade Records)

Avalon/Megahertz – “Stop the Fire/Technodeath” 1989 (Cogumelo Records)

Avalon – “Time Waits For No One” 1992 (We Love Money Corporation Records) single

Avalon – “Old Psychotic Eyes” 1992 (Encore Records)

Avalon – “Incógnito” 1994 (Encore Records)

Megahertz – “Pyramidal Power” 2002 (Independente)

Megahertz – “Burning Like Hell” 2022 (Mog Records/ Orange Prod.)

The Mist – “Phantasmagoria” 1989 (Cogumelo Records)

The Mist – “The Hangman Tree” 1991 (Cogumelo Records)