Thrash Metal parte 9

Brazilian Attack, celeiro de selvageria, violência sonora e uma velocidade estonteante

Dark Reflections

O Thrash Metal no Brasil merece um capítulo especial, sim, pois nos anos 1980, o Thrash praticado aqui possuía requintes de selvageria, as bandas tinham uma grande referência da sonoridade do Speed Metal e do Hardcore como as bandas americanas e alemãs, mas aqui as bandas alemãs eram seu maior referencial sonoro e imagético. As bandas brasileiras trabalhavam muito com a identidade criada pelo Venom e aprimorada pelo Slayer, flertando fortemente com o Death Metal, aliás influenciar as bandas de Death Metal foi algo muito comum as bandas de Thrash brasileiras que carregaram muito bem o rótulo do Death/Thrash.

É obvio que a gigante do Thrash no Brasil é, sem dúvidas, o Sepultura, banda que ganhou notoriedade mundial, sobretudo com seu terceiro álbum “Beneath the Remains”, lançado em 1989 através da Roadrunner e com a produção consagrada do grande Scott Burns, um baluarte do bumbo duplo, acredito que ninguém gravou bumbos como ele no final da década de 80 e transitando para 90, um verdadeiro mago do metal extremo naquele momento. Sepultura não foi a primeira banda no estilo no Brasil, mas foi a principal e a que ganhou maior notoriedade mundialmente, aliás, Sepultura deve carregar o mérito de ter posto o Brasil no mapa do Metal e ter alavancado outras bandas e a gravadora Cogumelo. Sendo assim, não seguirei uma ordem cronológica e sim um “vai e vem” entre tempo, bandas e importância, crendo que a mecânica do texto não é estática e sim dinâmica, sem esquecer que aqui cabe um ponto de vista analítico, crítico e opinativo.

Motorhead – Another Perfect Day 1983

A história indica que o Sepultura foi criado em 1983, mas efetivamente a banda começou em 1984. Os irmãos Cavalera: Max e Igor, foram os criadores da banda que, mais tarde passou a contar com Wagner Lamounier no vocal, o nome da banda foi retirado de uma música do Motorhead (nunca é demais lembrar que Motorhead era a banda referência para o Thrash Metal, ainda que não fosse uma) “Dancing on Your Grave” do álbum “Another Perfect Day” 1983 (Bronze Records) que estava recém-lançado, grave = sepultura, traduzindo para o português! Em 1985, Wagner saiu do Sepultura e formou sua obra prima: o Sarcófago, no mesmo ano Max assume o vocal além da guitarra e ingressa o Jairo Guedez que assinava como Tormentor e gravou baixo no primeiro registro importante da banda.

A banda participou de um festival em Belo Horizonte com essa formação e foi assim que o dono da Cogumelo, na época, ficou conhecendo o som da banda assim assinando para o lançamento do primeiro Split entre Sepultura e Overdose (outra banda de Thrash Metal mineira que falarei mais para a frente). “Bestial Devastation/ Século XX” 1985 (Cogumelo Records) então foi lançado, e falarei basicamente da parte que cabe ao Sepultura e, posteriormente, resgatarei para abordar a parte do Overdose. Antes de falar sobre o split, cabe enfatizar o histórico anterior da banda, que são fatos curiosos e que desenham muito bem a época, basta lembrar a história do Metallica, por exemplo.

Quando o Sepultura foi formado, suas influencias eram as mais básicas e passavam pelas bandas da NWOBHM e bandas de speed ou bandas de Heavy Metal tradicional, entre elas estavam: Iron Maiden, Motorhead, Judas Priest, Black Sabbath e AC/DC, mas os irmãos fizeram uma viagem à São Paulo, capital Paulista, e lá tiveram contato com uma série de bandas que, até então, eram desconhecidas por eles, fazendo com que eles ficassem entusiasmados e mudassem completamente o estilo de banda que eles pretendiam fazer. Hellhammer, Celtic Frost, Kreator, Sodom, Slayer, Megadeth, Exodus, Exciter e, com toda certeza, a experiencia de ter conhecido o Venom e a loja Woodstock discos, mudou a trajetória do Sepultura. Claro que isso era extremamente emblemático e era o tipo de som que jovens como eles esperavam para que sua testosterona em alta pudesse ser extravasada através de um tipo de música tão voraz, tão violenta.

O material impresso no “Bestial Devastation”, por tanto, era o reflexo destas novas influências, principalmente do Venom, Sodom, Slayer que entregavam um som mais profano e místico, com uma identidade visual adotada por eles e que tendia o som dele para um tipo de Thrash Metal mais concatenado com o Speed que propriamente com o Hardcore. Aliás, esse EP foi responsável por influenciar muitas bandas de Death e Black Metal mundo afora, devido a forma exuberante e espontânea com que eles tocam, por sinal, os irmãos se orgulhavam muito de dizer que não sabiam tocar os seus instrumentos com a intenção de demonstrar que eles tinham um talento inato (como diria o filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel 1770 -1831).

O primeiro álbum do Sepultura foi o “Morbid Visions” 1986 (Cogumelo Records), na época em que o Thrash Metal norte-americano e Europeu estavam no auge, qual classifiquei como Explosão do Thrash Metal. Este álbum trouxe o trio com muita força para o Metal Extremo, assimilando toda a atmosfera das bandas de Speed/Thrash alemãs, assim como o Slayer nas suas concepções de logo, capa e figurino dos músicos, além de toda imagética anticristã que compõem a semiótica destilada por eles através de sua obra. Falei de trio, pois Paulo Jr. foi creditado no álbum, inclusive participou das fotos promocionais do álbum, porém o baixo no disco foi gravado por Jairo Tormentor, quando do lançamento dele, Paulo já integrava a banda como baixista. “Morbid Visions” é um álbum único e, de fato, Sepultura nunca mais conseguiu igualar a perversidade deste disco, pense num álbum do Slayer, reeditado no Brasil gravado por outra banda, só que com músicas inéditas… isso seria o “Morbid Visions” que ainda entregaria aquela espontaneidade que falei acima, dentro do discurso do “não sabemos tocar” e por isso que esse e outros álbuns da banda foram tão bem-sucedidos, será?

Sepultura também foi uma banda que conseguiu sofrer influências de outras bandas brasileiras, naquela mesma época em que estiveram na cidade de São Paulo e conheceram Stress e Dorsal Atlântica, por exemplo. É nesse festival de influências que eles conseguiram fazer com que sua sonoridade soasse única, ainda que eu aqui tenha usado várias referencias para ilustrar de forma comparativa o tipo de som que eles construíram naquele início de carreira. “Morbid Visions”  na época se torna um ícone do Metal Extremo no Brasil e rende ao Sepultura bons frutos, como turnês e, natural, mudança de Belo Horizonte para São Paulo que era onde as coisas tinham maior possibilidade de acontecerem, hoje o primeiro álbum tem o requinte de ser considerado um dos primeiros álbuns de Death/Black Metal da história, mas a consciência adolescente deles e a falta de “informação” do público brasileiro, não permitia que isso fosse enxergado dessa forma naquele momento.

É sempre bom lembrar que o Brasil acabara de sair de um regime militar de 36 anos, e a redemocratização do país ainda engatinhava, muitas coisas estavam sendo descobertas para um país com novas configurações políticas e contatos com o mundo exterior, a informação que chegava aqui era extremamente controlada e, muitas dessas informações distorcidas, desde que fossem nocivas ao regime político e que isso, na mentalidade destes governantes, poderia causar algum tipo de instabilidade social e risco de rebelião popular, ou seja, a censura era severa e depois branda com a dissolução do regime militar. Assim como lembrar que o mundo bipolar só foi dissolvido em 1989 com a queda do muro de Berlin e isso também atrasou um pouco as coisas de se desenvolverem principalmente por aqui, já que a “nova” política democrática era uma sucessão de desastre políticos e econômicos devassando uma série de impropérios, corrupções etc. isso não dava a população um discernimento lúcido sobre a configuração mundial e aqui ainda se acreditava que o Brasil foi um país descoberto e não invadido…

Eu diria que o disco genuinamente Thrash Metal do Sepultura foi o “Schizophrenia” 1987 (Cogumelo Records), ele já traz uma banda com amadurecimento musical, e isso fica claro em suas composições, demonstra também que outras influencias aparecem e algumas questões vistas que influíram drasticamente nos seus primeiros registros ficam mais brandas, por exemplo a ideia de blasfêmia, anticristianismo e satanismo, ficam menos aparentes, o disco ronda em temas mais emocionais, sem deixar de serem sombrios, mas não tão radicais quanto naqueles registros. A capa também tem uma adequação mais próxima das bandas de Thrash norte-americanas na linha oposta ao Slayer, por exemplo (fato que abordei na parte/capítulo anterior) e a logo da banda também recebe um desenho mais harmonioso, mais simétrico ainda que estejam em evidenciar os espinhos e as facas, por exemplo. “Schizophrenia” é uma fábrica de rifes poderosos, mas foi um daqueles discos estragados pela produção, aquela bateria com bumbos de plástico soa muito estranho, aliás isso foi uma tônica da maioria das bandas que gravaram dois bumbos no Brasil por uns bons 10 anos entre 1985 e 1995, são muitos álbuns com essa configuração.

Muitos críticos acreditam que a produção do disco prejudicou ele a ponto de o “Beneath Remains” tê-lo superado, mesmo que o “Schizophrenia” tenha, aparentemente, sido superior no quesito criatividade, mas que a produção não foi suficiente para fazer o álbum deslanchar. Neste álbum, Jairo já não fazia mais parte e foi o primeiro álbum com a participação do Adreas Kisser, e mesmo com as precariedades da produção, o segundo álbum do Sepultura ganhou notoriedade na Europa e Estados Unidos, mesmo porque, independente da produção as composições eram muito boas e a execução das músicas também mostrando aquele amadurecimento que comentei acima, resultando num dos melhores discos de Thrash Metal da história do estilo e colocando o Sepultura no rol de, pelo menos, as bandas secundárias do Thrash Metal naquele momento.

“Schizophrenia” foi licenciado fora do país e chegou a vender 30 mil cópias, assim como foi também pirateado e deve ter vendido outras milhares de cópias sem render nada para a banda além de fama, mas, graças ao segundo álbum o Sepultura chama a atenção da Roadrunner, uma gigante gravadora que, aquela altura, lançava as maiores promessas do estilo pelo eixo do Thrash Metal Mundial Europa/Estados Unidos, a banda assinou com a Roadrunner a distância (eles ainda nem se conheciam pessoalmente), um contrato de sete anos e a Roadrunner relança o “Schizophrenia” mais uma vez. Com esse contrato embaixo do braço, o Sepultura parte para a gravação do seu terceiro, e sem medo eu diria que seu melhor e principal álbum da história da banda, “Beneath the Remains” 1989 (Roadrunner Records), gravado em nove dias com o maior produtor de metal extremo da época Scott Burns que, apesar do baixo orçamento, fez um álbum com produção espetacular para a época e tirando aquele som de plástico dos bumbos, aliás, os bumbos eram a especialidade de Scott.

O álbum chegou a alcançar o número de 800.000 cópias vendidas, nada se compara aos 20 milhões do Pantera, mas aí é outra conversa que deve dar a extensão de um livro, creiam! “Beneath the Remains” chegou a ser comparado com o “Reign in Blood” do Slayer e colocado pela revista Terrorizer entre os 20 melhores álbuns de Thrash Metal da história, assim como outras tabelas de melhores que incluem o disco e o classifica como um disco de Death Metal… de fato o disco é um assombro, daqueles discos que se ouve do inicio ao fim sem enjoar, cada música é única e com cargas de criatividade e boa execução que dão inveja a qualquer músico, se tornou rapidamente um álbum excepcional e não a toa até hoje é um dos melhores discos de Metal Extremo já lançados. Seu terceiro álbum lhe rendeu a primeira turnê fora do Brasil com o Sodom pela Austria, Estados Unidos, México, aumentando em muito a popularidade deles.

Em 1990, a banda passou a figurar em grandes festivais de música pesada como o Dynamo Open Air e conhecem Gloria Bujnowski, empresária do Sacred Reich, e eles decidem tê-la como empresária da banda a partir disso. Festivais como esse chegam a render públicos acima de vinte mil pessoas. A banda passou a chamar muita atenção da mídia e, com isso, a gravadora passou a investir mais em relançamentos, sobretudo do “Schizophrenia” com bônus, por exemplo “Troops of Doom” foi regravada para sair em relançamentos do segundo álbum do Sepultura, assim como investimentos em videoclipes de músicas emblemáticas do “Beneath the Remains”: “Inner Self”, “Mass Hypnosis” e a música título do álbum.

Em 1990 a banda se muda para Phoenix no Estado do Arizona (EUA), mudaram de empresário e iniciaram a gravação do seu quarto álbum “Arise” 1991 (Roadrunner Records) na cidade de Tampa, na Florida. No ano de lançamento eles tocam no festival Rock in Rio no Brasil para um público recorde de mais de cem mil pessoas e consagram o “Arise” e o próprio Sepultura como uma das maiores bandas de Thrash/Death Metal da história do país. Claro que é importante fazer esse adendo que, o Death Metal a essa altura era um estilo que havia se solidificado, enquanto o Thrash Metal vem dando sinais de ruína e decadência, caindo no nível de gosto do público em geral e se transformando em outro tipo de identidade, tanto sonora, quanto estética no decorrer da década de 90, fato também já abordado em capítulos anteriores.

“Arise” é um disco que sucede um “Beneath…” e ainda tem muito da referência deixada por ele nas suas músicas, nas estruturas, nas construções dos rifes, na dinâmica e nos arranjos e refrãos. Não apenas isso, mas a produção de Scott Burns, mais uma vez, dá uma identidade marcante para a banda, que investiu em capa, teve muito mais projeção a essa altura e o disco atinge cifras ainda maiores que o “Beneath…” vendendo mais de um milhão de cópias e partindo de 119 mil cópias vendidas na primeira semana de lançamento.

Trazendo aqui, mais uma vez uma análise social sobre a contracultura, neste caso, representada pela cena Thrash Metal e o preconceito criado sobre essa manifestação que, obviamente vai contra toda uma estrutura sistemática, o Sepultura fez um show em são Paulo nesse período de divulgação do quarto álbum, num espaço público em palco gratuito para cerca de 40 mil pessoas. Por se tratar de um evento que pode atrair qualquer pessoa, desde o fã do Metal até o mais curioso transeunte que estiver passando por ali naquele momento, aconteceu um fato que rotulou o público metal e o estigmatizou para sempre quando um homem foi morto por ter acontecido uma onda de violência sem precedentes provocada por pessoas que não entendiam a manifestação do Thrash Metal e achavam que era praça de guerra e não uma movimentação natural, que ainda que houvesse violência, não seria gratuita e sim casual ou de choque e não proposital e mal intencionada. “Houve muita briga, com esfaqueamentos e, até mesmo, tiros e um rapaz acabou morrendo. A tragédia contribuiu para criar um mito negativo sobre o público da banda e causou danos à sua imagem, fazendo muitos produtores de shows brasileiros temerem contratar seus shows.”

E é sobre essa forma de combater a contracultura, reforçada por fatos como esse que o metal sempre foi um estilo marginalizado, menosprezado, ridicularizado, hostilizado porque o sistema fazia com que ele fosse visto desse ponto de vista e não como uma inconformidade sistêmica, uma visão que não dava equidade, que não propunha liberdade de expressão e pensamento, é sob essa ótica que, até os dias de hoje, o Metal é um estilo musical sombrio, a margem e, muitas vezes, quem faz parte deste espaço passam a assumir um discurso de superioridade, de “elite” e não é para tanto.

A turnê de divulgação do “Arise” é bem longa, levando o Sepultura ao Japão, a Indonesia e vários países inimagináveis ao redor do mundo, em 1992 o selo continua investindo firme, lançando clipes e materiais promocionais ao vivo, participações especiais de músicos famosos no mundo do Metal e é o ano em que Max se casa com a empresária Gloria Bujnowski. Em 1993, a banda grava o disco “Chaos A.D.” (Roadrunner Records) e apresenta uma banda que vai alterar sua sonoridade assimilando sons tribais para sua música e o industrial, misturado com o Hardcore (afinal, o hardcore não era algo que estava tão evidente no Thrash Metal do Sepultura, apesar de a célula do hardcore ser responsável pela formação do estilo musical, algumas bandas não sofreram a influência direta, e talvez esse fosse o caso do Sepultura). O “Chaos A.D.” foi um disco que mostrou um Sepultura menos fantasioso e místico e mais realista, político e engajado em causas sociais mundo afora, não especificamente com relação ao Brasil, mas que acabava repercutindo.  “Refuse/Resist” e “Territory” são faixas desse nível de engajamento, assim como “Manifest”, que denunciava o massacre da penitenciária do Carandiru, onde 111 detentos foram mortos. Mesmo sendo mais cadenciado e diversificado que os antecessores, “Chaos A.D.” foi um enorme sucesso e até hoje já vendeu mais de 1 milhão de cópias, além de levar o Sepultura a um patamar nunca antes alcançado por uma banda brasileira.

É nesse álbum que o Sepultura inicia um processo de inovações e afastamento do que seria o Metal dos anos 1980, se alinhando com uma sonoridade, até então, nova e na “moda”, mas sua ascensão não parava e o Sepultura estava sempre rompendo novas barreiras, fossem de ineditismo em algum evento importante como o Monsters of Rock, ou apresentando números surpreendentes de público e vendas. Em 1996, a banda alça seu voo mais cego, que é quando procura um experimentalismo sobre os sons mais tribais baseados nas identidades afro-brasileiras e dos povos originários indígenas, lançando o álbum “Roots” que, definitivamente afasta o Sepultura do Metal mais convencional a aquela altura. O disco mostrou um lado mais experimental da banda, com uma participação de Carlinhos Brown na canção “Ratamahatta”, e presença ao longo do disco na percussão, berimbau e várias batidas tribais (o músico é um exímio estudioso e experimentalista, arranjador e compositor do mainstream popular da música brasileira). O disco contém ainda duas músicas gravadas conjuntamente com os índigenas Xavantes, “Jasco” e “Itsari”, no Mato Grosso. A música “Itsari” foi gravada na Aldeia Pimentel Barbosa no ano de 1995, às margens do Rio das Mortes no estado de Mato Grosso. Já o restante do álbum foi feito em Malibu no estúdio Índigo Ranch, dotado de instrumentos de antigos e fazendo da gravação a mais crua possível.

Não esquecendo que é um artigo de crítica e opinião, para além do registro histórico, meu gosto pela banda se encerra no “Arise”, “Chaos A.D.” e o “Roots” são discos difíceis de digerir (é preciso também alertar que esse tipo de experimentalismo com sons tribais já havia sido feito pelo Overdose anos antes) com o nome do Sepultura, mesmo porque é a desconstrução total do que eles fizeram e deixaram como legado em seus quatro primeiros álbuns, ao passo que devemos reconhecer que era uma banda mutante, que estava o tempo todo buscando novas formulas para sua música e que entrava sempre algo inovador ao seu público, ainda que isso agradasse ou não era uma característica da banda que ficou clara na transição entre o primeiro e o segundo álbum, entre o segundo e o terceiro e entre o quarto e o quinto (o quarto era o “Arise” e ele não é muito diferente do disco anterior, não esqueçamos), assim foi com o “Chaos A.D.” e o “Roots”. Por outro lado, as causas trazidas nestes discos, o que tem dentro do discurso lírico e sonoro, são de fato formas de dar um sabor muito apropriado ao som da banda, talvez fosse a maneira encontrada por eles de exaltar as suas matrizes culturais e mostrar para o mundo que não precisava ir muito longe para criar música extrema com elementos próprios.

Não esqueçamos também, que nos anos noventa, muitas bandas investiram em utilizar instrumentos antigos, em visitar o passado cultural de suas origens como os celtas, os vikings e afins e isso era muito bem visto, aceito, mas quando o Sepultura vai visitar a ancestralidade negra e indígena se torna “ruim” (?), principalmente aos nossos olhos, é algo que deve ser revisto, repensado, inclusive racionalmente e foi isso que busquei notar, colocando de lado a minha construção de gosto, minhas referencias musicais e desconstrui-las para que eu pudesse visualizar esses detalhes com outros olhos, e os olhos das experiencias da vida, da idade e do conhecimento de mundo o que, a época eram recursos muito rasos para que eu pudessem enxergar com os olhos de hoje. Ironicamente, os dois últimos álbuns do Sepultura foram indicados como referência para o que estava acontecendo no Thrash Metal, ou melhor, a cena mainstream do Metal àquela altura, que era Groove e o Nu Metal, “Chaos A.D.” e “Roots” eram os baluartes da linha sonora do momento e foi enquadrado como uma das bandas mais influentes da década.

Foi um momento conturbado para a banda também, pois houve um problema familiar com a esposa de Max em meio a importantes turnês da banda e Max precisou se ausentar por algum tempo, Dana Wells, filho de Gloria, havia sido assassinado e o impacto disso repercutiu dentro do Sepultura, que deveria cumprir com sua agenda e foi obrigado a se apresentar como um trio, tendo Andreas como vocalista e por outras cancelar as apresentações.

Max Cavalera deixaria a banda. Aconteceu quando os outros três integrantes, em reunião, decidem demitir Gloria Cavalera do posto de empresária, alegando que esta dava apenas espaço para seu marido, Max. Ao contrário de antigamente: quando o Sepultura aparecia, todos os quatro integrantes estavam na foto, e não apenas Max. Com a saída de Gloria, Max se sente traído e resolve buscar outro rumo em sua carreira.

A discussão é imensa. Andreas, Igor e Paulo tinham a convicção de que a empresária já não os estava mais representando e comunicaram sua decisão de não renovar seu contrato de trabalho. Havia a opção de ela continuar a cuidar dos interesses de Max. Ele não aceitou a decisão dos companheiros e abandonou o Sepultura, sentindo-se injustiçado. A partir de então, as incertezas caíram sobre o Sepultura e o futuro era incerto.

Com o tempo, a banda acostumou-se à nova situação imposta, concluindo que não poderia interromper o trabalho de uma vida toda dessa forma. E assim que puderam começaram a compor seu próximo álbum, como um trio. Max formou sua própria banda, Soulfly.

Harris, Keith (2000). Roots?: The Relationship between the Global and the Local within the Extreme Metal Scene. Popular Music, 19(1): 13-30.

Naquele momento, por tanto, estava sentenciada a saída de Max da banda e o trio uma realidade. Andreas assume o vocal, mas nunca havia acontecido isso antes, no sentido de assunção de algo oficialmente, quando aconteceu foram casualidades e por uma necessidade de urgência. A banda como um trio, passou a compor, dando ênfase ao baixo e fazendo com que ele fosse mais destacado que no passado, mas sem esquecer que estamos na era do groove e isso não seria nada demais, porém o Andreas não se viu capaz de assumir os vocais e a banda decidiu por buscar um novo vocalista, mas que tivesse um perfil oposto ao de Max. Em uma entrevista dada em 2014 ao site DeadRhetoric.com, Andreas Kisser contou um pouco sobre como foram essas audições:

Eu tenho várias versões da música “Choke” com inúmeros vocalistas, incluindo Marc Grewe, do Morgoth; Phil Demmel, do Machine Head e Vio-Lence; Jason “Gong” Jones do Drowning Pool; e Jorge Rosado do Merauder. Algum dia irei lançar esta música em diferentes versões. Até mesmo Chuck Billy, do Testament, fez testes conosco. Porém, Derrick Green veio para o futuro. Nós não estávamos procurando por alguém idêntico ao Max, ou tentando substituí-lo por um clone. Com um visual diferente, atitude diferente, nós gostamos do Derrick e sentimos que ele poderia crescer, o que veio a acontecer.

Andreas Kisser, numa entrevista dada em 2014 ao site DeadRhetoric.com

Bom, a carreira da banda seguiu e como sempre teve altos e baixos, polêmicas, mas seu legado inicial foi muito importante para o nome e carreira não apenas do Sepultura como para um porção de bandas que foram conhecidas graças as aberturas de portas que a mesma fez, ainda que o Thrash Metal praticado por eles tenha se perdido com o tempo e se transformado em várias outras coisas, não podemos negar que todo seu exemplo foi algo excepcional para colocar o Brasil no mapa e quebrar um pouco das ideias de país amazônico habitado por um povo atrasado e de cultura inferior tão reforçadas pelo Etnocentrismo Europeu ao longo dos séculos, por mais que ainda essa seja a visão deles sobre os sul-americanos em geral, o Sepultura foi capaz de romper com muitos destes padrões culturais e inclusive, com o tipo de música que apresentou no álbum “Roots”. Após o “Roots”, Sepultura ainda lançou mais dez álbuns de 1998 para cá, quando lançaram o primeiro álbum com Derrick Green, “Against” (Roadrunner Records).

Saindo desta longa jornada sobre o Sepultura, qual quis enfatizar a importância de sua carreira e considerando que foi a banda mais emblemática do Thrash Metal no país, vamos iniciar as falas sobre outras bandas pioneiras do estilo no Brasil e que desdobraram durante essas quatro décadas, difundindo um som muito peculiar e que não estavam muito distantes do que o Sepultura fez no início de sua carreira, por isso começo pelo Overdose, banda também de Belo Horizonte que registrou seu primeiro material através do split com Sepultura: “Bestial Devastation/Século XX” 1985 (Cogumelo Records), cogumelo era uma gravador em ascensão e estava em busca de bandas para seus primeiros lançamentos, Overdose foi uma banda fundada em 1983 e tinha apenas uma demo lançada contendo apenas uma música “Última Estrela”, aliás, é importante levantar essa questão, muitas bandas brasileiras de Heavy Metal nos anos 80 cantavam em português, aliás era a maioria deles e esse esforço em cantar em inglês foi um pouco tardio, pois foi possível notar que escrever as letras e cantar em inglês poderia ampliar muito mais o alcance das bandas. Assim como o Sepultura, Overdose foi convidado para participar do split e teve então sua carreira iniciada por uma grande gravadora, que seria um ícone na história do Metal Nacional.

Overdose não era exatamente uma banda de Thrash Metal, e sim uma banda que procurava um som mais próximo do Speed Metal, mas isso poderia ser muito facilmente confundido com Thrash Metal, se isso é até hoje, imagine nos anos 80? Era bem mais fácil confundir uma coisa e outra, já que ambos corriam para a velocidade (já fiz um comparativo entre o Speed e o Thrash em outro capítulo desta série). Overdose apresenta no split uma música recheada do que seria esse Speed Metal e Overdose poderia ser considerada uma das bandas de Metal mais antigas do Brasil, mas, ao contrário do Sepultura, foi uma banda que oscilou muito e não conseguiu repercutir seu som como o Sepultura o fez. É fato que “Século XX” é uma pérola do Metal brasileiro, mas, definitivamente, não é um registro de Thrash Metal em sua essência, é um disco de Speed que vez por outra aparece um rife, aqui, ali! Que podemos associar ao Thrash Metal e só.

Seu primeiro álbum “…Conscience…” 1987 (Heavy Music), é um álbum puramente de Speed Heavy Metal, cheio de referencias as bandas europeias e, sobretudo, ao NWOBHM. Aqui neste álbum as músicas já foram compostas com as letras em inglês e a visão de “mercado” da banda tem um pouco mais de expressividade. Nesta época, como eu disse, confundir Speed com Thrash Metal era extremamente natural e Overdose ocupava um lugar onde não poderia caber uma banda tão tradicional como Saxon ou Iron Maiden que não lançava discos com bumbos duplos velozes, por sinal, quem fazia isso era o Judas Priest ou o Accept e o Overdose talvez estivesse na fronteira entre as tradicionais bandas inglesas e as arrojadas bandas de Speed.

“You´re Really Big” 1989 (Cogumelo Records) é o disco mais robusto do Overdose, e o disco que traz as características do Thrash à tona, fica muito mais evidente a inclinação da banda no Thrash Metal que ganha a influência de Metallica e Megadeth em sua sonoridade aliada as referencias antigas da banda que dava conta das bandas de Speed e de Heavy mais tradicionais. Algo que leio muito sobre o Overdose é que eles praticavam um Power Metal, mas eu não consigo ler a banda desta maneira, ademais o Power foi uma sonoridade pouco desenvolvida até este segundo álbum do Overdose, de fato o Power Metal ficou muito mais forte, evidente e reconhecível nesse final de década e transitando para os anos 90, nem mesmo a banda Helloween, tinha muita “noção” de que eles faziam algo que pudesse ser considerado Power Metal e isso também dá um longo texto extra, em outro momento.

A essência Thrash Metal, mais pura do Overdose se dá com o lançamento do seu terceiro álbum “Addicted to Reality” 1990 (Cogumelo Records), este já nos apresenta um Overdose cheio de atitude Thrash Metal, mas sem esquecer suas referências, assim como nos entrega uma identidade visual diferente da banda. A voz de “Bozó” é mais agressiva, mais impostada e menos melódica que antes e as músicas ganham um ar menos fantástico que no passado, entrando mais no realismo socio-político que enseja a atualidade das bandas de metal, ou seja, a banda atualiza sua linha compositiva para algo mais adequado aos tempos e se encaixando definitivamente no Thrash Metal que está prestes a mudar radicalmente.

Na carreira do Overdose, o seu disco melhor sucedido foi o “Circus of Death” 1992 (Cogumelo Records), um disco extremamente visceral e que recebe fortes influências do Groove que estava começando naquela época com bandas como Exhorder e Pantera, apesar de Overdose estar mais conectado a bandas como Overkill e Nuclear Assault, “Circus…” é um álbum daqueles que não pode faltar na coleção de quem é amante de Thrash Metal e este é o auge da banda na história de sua carreira. A inspiração nas composições do quarto álbum do Overdose repercutem bastante e, novamente nos anos 1990, a banda ganha bastante notoriedade aqui no Brasil, mas ainda não é aquela banda internacional com a projeção que, talvez, eles esperassem.

Seu quinto álbum foi mais uma virada de mesa da banda que radicaliza ainda mais lançando um álbum cheio de tribais, grooves e afins, além da famigerada influência do industrial, aliás era um tipo de influência comum a época. “Progress of Decadence” 1993 (Cogumelo Records) é uma fotografia brasileira sobre o Thrash Metal praticado nos anos 90 cheio de experimentalismos aliados a gritos insanos, batuques, gírias e guitarras de baixa afinação. Neste quesito, a crítica ao Overdose era sobre a tentativa de trilhar caminhos similares ao Sepultura, sobretudo nesta parcela da década em que o Sepultura era um estrondo mundial fazendo exatamente esses experimentalismos infinitos em seus lançamentos, porém os experimentos com a percussão regional o Overdose fez antes do Sepultura, sempre importante frisar. Por outro lado, eu vejo a ação do Overdose de acordo com a tendencia da época e não necessariamente por causa do Sepultura, não foi isso que definiu a sonoridade deles.

Em 1995, Overdose lança seu último disco pela Cogumelo, um álbum que segue a lógica do seu antecessor “Progress of Decadence”, cheios de inserção de percussão com sons regionais, excesso de groove e pitadas assombrosas de industrial. A carreira do Overdose, claramente, não obteve o êxito que talvez a banda merecesse, lógico que pessoalmente, Overdose não era a banda predileta do público e, se de um lado eles ganharam novos ouvintes, devem ter perdido muito com o lançamento dos dois últimos, pois o “Scars” 1995 (Cogumelo Records) é um disco muito ruim e não chega nem perto do que foi o “Circus of Death” por exemplo. As misturas que eles fizeram em “Scars” beiram ao ridículo, inserindo onomatopeias por exemplo e se aproximarem do Grunge foi um flerte extremamente perigoso, neste álbum eles chegam a ter canções que lembram o que Faith no More fazia, enfim. O Overdose merecia ter um fim de carreira mais interessante. A banda parou suas atividades em 1997, mas retornou nos anos 2000, porém diria que sua atividade hoje ainda não tem profunda significância na cena.

Korzus, entre as bandas aqui citadas até agora, Sepultura e Overdose, talvez tenha sido a banda mais regular dentro do Thrash Metal entre elas, uma banda que se dedicou muito ao estilo, mas que, como muitas outras dentro da cena nacional, não recebeu devido valor. Neste caso, sobre a valorização, infelizmente, a cultura brasileira sempre teve a nefasta cultura de autossabotagem, é muito notória que tenhamos sempre a necessidade de diminuir o que fazemos por aqui seja em qualquer sentido.

O Korzus foi essa banda que passou por essa autossabotagem, não pela própria banda, mas pelo potencial publico brasileiro que sempre supervalorizou o estrangeiro e menosprezou o que vinha daqui mesmo! Apesar de toda essa concreta realidade, Korzus foi uma importante banda que serviu como influencia para outras tantas e, até hoje, eles podem ser reverenciados por isso, considerando que ainda estão em atividade. A banda foi formada em 1983 e tinha outro nome, chamava-se Hand of Doom, inspirada numa música do Black Sabbath “Paranoid” 1970 (Paranoid Records), nome provisório escolhido para que o conjunto participasse de um festival escolar na época e, logo depois, escolheram o nome Korzus que estava escrito no armário do baterista Zema, escrita pelo guitarrista Marcos Kekas, da banda Ethan.

Hand of Doom/Korzus teve na formação Marcello Pompeu (vocal), Marcello Nicastro (guitarra), Silvio Golfetti (baixo) e Luiz Maurício S. Oliveira “Brian” (bateria). Em 1985, eles passaram por uma reformulação, já oficialmente Korzus, e começaram a se apresentar sendo convidados para participarem da coletânea SP Metal 2, lançada pela loja/gravadora Baratos Afins, onde a música “Guerreiros do Metal” rapidamente caiu no gosto dos headbangers da época a elegendo hino da cena underground, provavelmente, até hoje, está música é muito emblemática para o Korzus. Diante de tanta repercussão, o primeiro álbum da banda não seria uma gravação de estúdio, e sim um show ao vivo contendo 6 músicas em pouco mais de meia hora “Ao Vivo” 1986 (Devil Discos). Seu primeiro álbum de estúdio seria lançado em 1987, após sofrer algumas alterações na formação, quando Zema Paes assumiria a bateria naquela época. Korzus começaria a ser uma grande banda da cena, ganhando respeito e admiração, mas passa por uma grande tragédia que é a morte de Zema após se suicidar no mesmo ano de lançamento do álbum e após uma série de shows de promoção do disco pelo país. Sua morte causou grande comoção na cena e um forte impacto na própria banda.

“Sonho Maníaco” 1987 (Devil Discos) ratifica uma tradição das bandas brasileiras que cantavam em português e, como disse mais acima, era um fator interessante para nós, porém não era para o “mercado” do Metal. Korzus apresentava esmero e técnica em suas composições e não era uma banda que estava para brincadeira, claro que devemos compreender que o Brasil, naquela época, ainda não dominava a produção de álbuns de Metal e sabíamos que para atingir o nível internacional, não seria aqui o melhor lugar para se conquistar isso, apesar dessa realidade visível, se tentava com os recursos disponíveis fazer boas produções e esse disco do Korzus se aproxima desse nível. Foi um disco bem recebido, ganhou boa notoriedade e assim como outras bandas brasileiras da época, foram ganhando espaço na mídia especializada e fazendo seu nome se desenvolver.

Cantar em inglês era uma condição especifica que poderia fazer com que a banda (as bandas nacionais) conseguisse visibilidade além das fronteiras nacionais e o Korzus sabia disso, sendo assim, com novo baterista eles gravaram seu segundo registro de estúdio o EP “Pay for Your Lies” 1989 (Devil Discos), um material que apresenta visivelmente a evolução, coesão e atualização da música, da produção e do envolvimento mais profundo na cena nacional do Korzus, um material digno que fecha a década de 80 para eles. Não podemos deixar de dizer que a essa altura, as bandas brasileiras chamavam atenção no rastro do que o Sepultura vinha fazendo e, não apenas Korzus, como Overdose e diversas outras bandas, conseguiram alçar alguns voos, primeiro por sua competência, e depois pelo fato de estarem na terra do Sepultura e isso despertar a curiosidade dos estrangeiros também.

O que, definitivamente vai dar coesão e expansão a carreira do Korzus é o álbum “Mass Illusions” 1991 (Devil Discos) que irá lhes render uma tour pela europa em 1992 em países como França, Inglaterra, Itália e Alemanha, além de videoclipe e muita exposição na mídia, consagrando o Korzus em sua devida importância, mas… vem o seu álbum “KZS”, em 1995 (Devil Discos) revelando um Korzus atualizado no groove e uma série de comportamentos que denunciavam a adesão ao “modismo” que assolava os anos 90, além do groove, performances com pulos ao invés de bate cabeça, aquele frenético pula pula era muito sem graça (opinião própria), mas tinha que gostasse, e não era apenas a banda, né?

Deste modo, ainda sofrendo com as mudanças de formação, e a esta altura como quarteto e não mais como quinteto, eles conseguem expandir vertiginosamente seu nome fora do Brasil, conseguindo angariar uma série de turnês com bandas como Biohazard e S.O.D., tocar em festivais vitrine como o Monsters of Rock, ter sua imagem veiculada constantemente nos canais de TV em programas especializados em música underground e ver seu nome muito bem cotado numa época em que poucas bandas dos anos 80 se sustentaram.

Korzus seguiu seus rumos, ficando algum tempo sem lançar álbuns em sequência, gravando com grandes intervalos que variam de seis a oito anos e tentando manter seu espírito Thrash Metal, particularmente, meu acompanhamento a carreira da banda se encerra no “Mass Illusions”, mas certamente a banda ainda possui respeito e seu trabalho em evidência nos tempos atuais, considerando que ainda estão em atividade. Seu último álbum de estúdio foi lançado em 2014, sob o título “Legion” pela gravadora AFM Records, por tanto, laçado em escala mundial e não apenas em território nacional.

Outra banda que acho relevante ressaltar sobre o Thrash Metal nacional, sem dúvidas é a mineira Chakal, por sinal banda que conheci através de um split4way mais fantástico da história “Warfare Noise” lançado em 1986 (Cogumelo Records) que, além de Chakal, trazia simplesmente Sarcófago, Mutilator e Holocausto (fiz um registro histórico através de uma publicação chamada “Hell of Flame – antholgy”, laçada em 2021, que reuniu uma serie de álbuns históricos da cena extrema nacional e um destes discos era o “Warfare Noise”. Nesse split, Chakal apresentava um som muito próximo do Death Metal, algo assombroso, perverso e diria que não estava tão próximo do Thrash Metal não fosse algumas referencias nos rifes e em alguns momentos específicos da quelas músicas.

Chakal tinha uma essência de Death Metal muito parecida com a essência do Sepultura, no sentido de absorver um som mais sombrio, mais maligno e isso fica evidente na sua música o que ficou ainda mais evidente quando do lançamento do primeiro álbum “Abominable Anno Domini” 1987 (Cogumelo Records), um álbum muito mais Death que Thrash, mas vá la que o Thrash Metal tem suas marcas da música deles. Ninguém me convence que o vocal de Wladimir Korg nestes registros não estivesse mais para Chuck Schuldiner que para James Hatfield. Aliás, as marcas de muitas bandas de Thrash Metal era justamente a voz semitom com ajustes de agudos em partes específicas e o Chakal, definitivamente não fazia isso.

Chakal foi formado no início de 1985 por William Wiz (bateria), Destroyer (baixo) e Mark (guitarras), em Belo Horizonte, passou por reformulações e em 1986 lançou sua demo “Children Sacrifice” que contou com participação de Max Cavalera e SDN do Mutilator, o mesmo que contribuiu para o split “Warfare Noise”. Todas essas experiencias de gravação deram cancha para banda gravar seu primeiro álbum, um dos mais assombrosos da cena extrema da época e, como já disse, um álbum bem voltado para o death metal, existem pessoas que colocam o álbum mais próximo do black metal inclusive, as timbragens das guitarras soam muito próximas da timbragem usada pelo Sarcófago naquela época e, talvez por isso, a associação. Por outro lado, cabe salientar que o termo Black Metal nos anos 80 ainda não era tão bem usado aqui no Brasil, era muito mais o Death Metal, pois o Black Metal se configurou como um estilo “isolado” nos anos 90, Death Metal era um rótulo que conseguia abarcar “tudo”.

Vladimir Korg, um dos principais vocalistas do metal extremo na época, saiu em 1989 do Chakal para se juntar ao The Mist (outra poderosa banda de Thrash Metal que também será abordada aqui na série). Com a saída de Korg, Chakal levou algum tempo sem fazer novos lançamentos, assim como outras mudanças na formação, forçaram a banda adiar novas gravações. Grandes hiatos no Chakal foram cruciais para que a banda perdesse folego em sua carreira, mesmo que tivesse com novo vocalista, que em verdade já era baixista da banda e assumiu também as vacais, o Marcelo Laranja. Em 1990, Chakal lança seu segundo álbum com Laranja no vocal, “The Man is His Own Jackal” (Cogumelo Records), um disco menos sombrio que o “Abominable…”, talvez o álbum que encarna verdadeiramente o espírito mais “puro” do Thrash Metal e a voz de Marcelo é bem mais gritada, mais próxima do Thrash Metal Bay Area e menos pútrido e maligno que o vocal de Korg. O instrumental nesse disco também possui outra timbragem, mais limpa e menos grave e profunda que no primeiro álbum, ou seja, aquele espírito Death Metal que o Chakal tinha ficou muito distante em seu segundo álbum e, talvez, isso tenha feito a banda fazer com que sua carreira seguisse mais dentro da linha do Thrash Metal que enveredar aos caminhos do promissor estilo Death Metal àquela altura.

Sabemos que a crítica espera que bandas como Chakal, que não teve uma sequência intensa em sua carreira, procure estar sempre lançando material, porém isso não aconteceu com eles e seus lançamentos foram bem espaçados, levando em conta que algumas bandas de Thrash Metal chegavam a lançar discos anualmente ou a cada dois anos. Em 1993, Chakal lançou seu terceiro álbum fixando o posto de Marcelo Laranja como vocalista oficialmente, “Death is a Lonely Business” (Cogumelo Records) um disco que demonstra bem essa evolução do Chakal dentro do estilo Thrash Metal, é um disco muito bem feito, vigoroso, com uma produção um tanto quanto superior aos anteriores e muito significativo, pois o Chakal foi uma banda que resistiu aos modernismos tão latentes aquela época e ainda preservaram características importantes do Thrash tradicional, apesar de notar em alguns momentos o uso do groove e das guitarras mais truncadas.

O maior hiato de lançamentos do Chakal foi de 1993 a 2003, quando lançou seu quinto álbum “Deadland” (Cogumelo Records), foi em 2002, que a banda se reuniu com Korg para fazer alguns shows e, ao longo de dois anos, escreveu material para um novo álbum baseado em um roteiro escrito por Korg e inspirado na série de filmes Living Dead de George A. Romero. Após um longo período de ensaios e pré-produções, o resultado foi o álbum “Deadland”. Também influenciado por quadrinhos e RPGs, o álbum veio com uma faixa multimídia com letras, fotos e outras informações. O lançamento do álbum foi seguido por uma turnê brasileira chamada Dead Man Walking Tour. Um outro álbum, “Demon King”, foi lançado em 2004 (Cogumelo Records), vendo o retorno de Mark às funções de guitarra e um cover de “Evil Dead” do Death. O sexto álbum independente “Destroy! Destroy! Destroy!” foi lançado em 16 de novembro de 2013, contando com a formação: Vladimir Korg, Andrevil, Wiz, Mark e Cassio Corsino no baixo.

Após terem lançado seu álbum independente, Korg volta a sair da banda e retorna ao The Mist, assim como Laranja retorna ao Chakal para trabalhar em seu próximo álbum e ser rergresso a gravadora Cogumelo. Em 2017 é lançado “Man is a Jackal 2 Man” (Cogumelo Records), por sinal um excelente disco que resgata fielmente a essência do Chakal dos anos 90, a partir do seu segundo álbum coroando uma carreira de altos e baixos, mas com lançamentos muito fidedignos ao seu histórico.

Com isso eu encerro essa parte da série, prometendo trazer em seguida mais bandas pioneiras da cena nacional como Dorsal Atlantica, Anthares, Megahertz, Avalon, MX as coletâneas e splits que fizeram nossa felicidade nos anos 80 e o que mais eu conseguir espremer dessa mente velha de guerra e das pesquisas, claro! Sem esquecer que a cena Crossover no Brasil também foi muito forte e isso também vai ser abordado. Como de força do hábito, segue a lista de recomendações da semana:

Motörhead – “Another Perfect Day” 1983 (Bronze Records)

Sepultura/Overdose – split “Bestial Devastation/ Século XX” 1985 (Cogumelo Records)

Sepultura – “Morbid Visions” 1986 (Cogumelo Records)

Sepultura – “Schizophrenia” 1987 (Cogumelo Records)

Sepultura – “Beneath the Remains” 1989 (Roadrunner Records)

Sepultura – “Arise” 1991 (Roadrunner Records)

Overdose – “Addicted to Reality” 1990 (Cogumelo Records)

Overdose – “Circus of Death” 1992 (Cogumelo Records)

Korzus – “Mass Illusions” 1991 (Devil Discos)

Chakal/Sarcófago/Holocausto/Mutilator – split 4 way “Warfare Noise” 1986 (Cogumelo Records)

Chakal – “Abominable Anno Domini” 1987 (Cogumelo Records)

Chakal – “The Man is His Own Jackal” 1990 (Cogumelo Records)

Chakal – “Man is a Jackal 2 Man” 2017 (Cogumelo Records)