06 PERGUNTAS PARA: UNFATHOMABLE

Ventos de Ross Bay Sopram Pelo Brasil

Entrevista

A dupla que compõe o UNFATHOMABLE é uma das mais expressivas e criativas da nova geração do Black Metal nacional. Não só produziram um dos artefatos mais brutais do chamado Bestial Black Death Metal dos últimos anos, com o álbum “The Abyss Beckons”, mas ainda são os nomes por trás do Poderoso KANVASS!

E hoje eu recebo no “06 Perguntas para:“, A. ou AMMONOCH, vocalista e guitarrista de ambas as bandas, falando sobre a diferença de estilos das duas bandas, sobre o álbum de estreia, sobre o conceito inicial de banda anônima e sobre o futuro. Salve A.!

1 – Para iniciar nossa conversa, vocês são reconhecidos no cenário Black Metal nacional pelo poderoso KANVASS que, aliás, tem uma proposta sonora muito diferente da do UNFATHOMABLE. Eu gostaria que você detalhasse os motivos que os levaram a estabelecer um projeto – ou banda – tão diverso do KANVASS, bem como o processo de materialização do mesmo.

AMMONOCH:  Saudações! Agradeço pelas palavras e espaço. Acredito que as vertentes dentro do Black Metal são tão variadas em sonoridade, ambiência, filosofia e estética que é impossível consolidar todas as nossas ideias e gostos num projeto só. Ao longo dos anos, conforme ouvimos novos sons e entendemos mais a fundo as propostas de bandas e nichos específicos, é inevitável que surja o ímpeto de também construir algo nestes meios. Há algumas vertentes/linhas de som com (relativamente) poucas bandas produzindo tal sonoridade, o que também é curioso.

No caso do Unfathomable, eu já possuía interesse há muitos anos em começar um projeto paralelo, mas não havia composto até então nenhum riff ou escrito letras, dado o tempo tomado pelo Kanvass e demais participações em outras bandas, como o Ocultan e Windspirit. Após o lançamento do último álbum do Kanvass, em Abril de 2023, tive tempo de parar, compor e gravar. A inspiração para o álbum veio como uma torrente, e acabou sendo todo composto e finalizado em cerca de um mês, de fato era algo que já estava mentalmente engatilhado, só faltava executar.

Uma curiosidade deste álbum é que eu iria pegar emprestado um microfone de voz e placa de som para fazer a gravação, já que não possuo nenhum, mas no “gás” de produzir o material, gravei os vocais como áudio no celular/whatsapp, e estes “áudios” ficaram na versão final.

2 – Quando o álbum “THE ABYSS BECKONS“, surgiu do nada, no ano passado, ele trouxe junto uma proposta de banda anônima. Inclusive vocês utilizaram os pseudônimos de A. e M. apenas. Depois, com o show no NECROPOLE HALL, o anonimato se dissipou. A proposta era mesmo de uma banda anônima? E por que vocês decidiram mudar o formato?

AMMONOCH: Acredito que esta resposta se une com a da primeira pergunta. Nós quisemos fazer uma linha de som que chegasse de forma orgânica em quem curte essa pegada raw, oldschool. A ideia foi atrair os ouvintes do meio pela capa, visto que tradicionalmente as bandas do estilo tem uma estética de preto/branco/vermelho.

Justamente por ser uma proposta diferente, não quisemos nos submeter a pré-julgamentos por parte de quem já conhecia nosso trabalho no Kanvass, gostando ou não da linha de som.

Não diria que houve uma mudança de formato, acreditamos que seria inevitável que o público descobrisse nossas identidades, especialmente por conta da apresentação ao vivo. Também nunca foi nossa ideia nos apresentarmos com máscaras ou tocas.

3 – O álbum “THE ABYSS BECKONS” foi um dos melhores trabalhos que ouvi ano passado, tendo inclusive entrado na minha lista dos melhores do ano do canal POWER THRASHING DEATH. Eu queria que você comentasse um pouco sobre a repercussão do lançamento, inclusive no exterior e sobre como vocês se sentem com a alcunha que eu já ouvi por aí de “Brazilian ARCHGOAT”. Procede? Direto da fonte, que referências podemos buscar no som do UNFATHOMABLE?

AMMONOCH: A repercussão foi excelente, divulgamos inicialmente o single Hellgate Vatican no canal americano “No Gleaming Light”, já gerando interesse em adquirir o material físico mesmo sem anúncio de lançamento. A distribuição mundial segue por conta do selo em parceira, através da Black Metal Store e Hammer of Damnation.

Certamente o Archgoat está na cabeceira das inspirações junto aos monstros de Ross Bay. Entre outras podridões mais recentes, cito também Abysmal Lord, Weregoat e Goatkraft.

Duas outras fontes importantes são: punk oldschool e as levadas de bateria com D-beat, uma mistura de Motorhead com hardcore sueco, com bandas como Totalitär, Wolfpack/Wolfbrigade. Os finlandeses do Impaled Nazarene com seu “Absence of War Does Not Mean Peace” também deixaram uma impressão forte em nosso trabalho, em termos de percussão.

Em termos de atmosfera, para o Unfathomable, sempre admirei o trabalho do Blood of Kingu em “Sun In The House of The Scorpion” e algumas coisas do Almyrkvi.

4 – Um dos pontos de destaque do KANVASS, pra mim, é o aspecto lírico, extremamente fundamentado em uma filosofia que eu diria Nietzscheana – não sei se concorda -. A temática do UNFATHOMABLE é um pouco mais “tiro na cara“. Eu gostaria que você comentasse sobre essas diferenças de expressão. Você acredita que elas se complementam?

AMMONOCH: Certamente concordo e acredito que se complementam sim, no sentido de expor minhas ideias e visões em planos opostos. No Kanvass busco uma teatralidade poética para expor críticas filosóficas profundas à cena, política, religião e afins, através de metáforas e socos metafísicos no estômago. Já no Unfathomable, dado as temáticas mais tradicionais de anti-Cristianismo e esotericismo, há uma necessidade primal de conciliar a energia da esfera instrumental com a proposta que é passada. Figuras de linguagem perdem a relevância em meio ao caos sonoro e à explosão sensorial. Eu diria que a linha de som é brutalmente mais tátil, material e substancial.

5 – O já citado show no NECROPOLE HALL foi um dos motivos que me levam – e acredito que a todos – a perguntar: Afinal, o UNFATHOMABLE é uma banda efetiva ou apenas um projeto de vocês? Se confirmado como banda, podemos esperar por mais shows ou mais lançamentos?

AMMONOCH: É uma banda efetiva, embora tenhamos a intenção de nos apresentarmos apenas em eventos que sejam na mesma linha de som, somente para quem realmente apoia o nicho. Estamos abertos a convites. Quanto a mais lançamentos, já tenho algumas ideias em mente para mais músicas e em qual direção levar um segundo álbum, mas nada de concreto no momento.

6 – Por último, uma questão que pretendo estabelecer como padrão: eu gostaria de saber a sua percepção sobre o universo do metal negro no Brasil e a sua reflexão pessoal sobre utilizar o BLACK METAL como a SUA forma de expressão. Em nome da Lucifer Rex agradeço a sua disposição em responder essas questões e deixo o espaço aberto para qualquer coisa que deseje adicionar! HAIL UNFATHOMABLE!

AMMONOCH: Agradeço novamente o espaço e todo o apoio que nos ofereceu!

O metal negro no Brasil é paradoxalmente o mais fraco e forte. Com uma população de 214 milhões, representamos quase 50% dos 448 milhões de habitantes da União Europeia inteira, entretanto, até mesmo nas capitais, os eventos underground são considerados lotados com 50, 100 pagantes. As diferentes cenas em suas respectivas regiões são carregadas nas costas por um punhado de bandas e produtores que nunca atingiram o “mainstream”, assim como pelos poucos colecionadores e frequentadores de eventos de bandas “sérias”.

O cidadão médio ainda consome música baseado no que os outros pensam das bandas. Tal banda é popular agora? “Então é “cool” gostar dela também”. “Agora eu também gosto desta ou daquela”. Isso me indica que este perfil de pessoa nem sequer curte o som de verdade, pois não procura outras bandas que verdadeiramente afaguem seu espírito, que matem uma espécie de fome sonora/enérgica por algo etéreo, difícil de alcançar e suprir, que não sabem exatamente o que é. Em última instância, me parece só a necessidade humana de ser aceito num grupo, e esta é a maneira que ela se dá em nosso meio.

Para o melhor (ou pior), o black metal no Brasil se mantém um nicho, teoricamente, para pessoas com um elevado grau de auto-crítica e senso analítico. Com uma insaciável vontade de saber e de poder, sobre o metafísico e o material. Os “visitantes” ao gênero costumam deixá-lo rapidamente ao primeiro sinal de intriga, burburinho político ou pressão social.

Fazendo uma ponte com a segunda parte da pergunta, há um grande número de turistas no meio que acreditam que bandas e movimentos estão aí para “representá-los”, e para levantar as bandeiras políticas “favoritas do momento”. Eu, particularmente, acredito que todos estes são um bando de desocupados e, de certa forma, massa de manobra de maquinações muito maiores e antigas do que são capazes de perceber.

Defendo piamente que minha música e ideias são exclusivamente meus, e nada importa se as mesmas ferem ou não as visões do outro. O Black Metal é, acima de tudo, o resgate à individualidade de cada um, e a infantilidade de alguns em ouvir ou não uma banda por não concordar com as visões dos músicos é um dos fatores que destroem uma cena já enfraquecida. Isso sem contar com os infindos casos de pessoas do meio que se convertem às grandes religiões organizadas nos seus momentos de fraqueza moral e ética, ou aos que tentam conciliar a manifestação sonora com temática cristã. Comicamente, ovelhas travestidas de lobos.

Encerro dizendo que num Estado moralmente falido, cabe a cada um traçar seu caminho e bater de frente com as (novas) convenções sociais, por mais democraticamente incômodo que seja.